domingo, 26 de dezembro de 2010

Pethallian: música made in Brazil de qualidade

Eis que posto aqui (creio ser o ultimo post desse ano) alguns vídeos da banda Pethallian, originária da cidade de Tatuí, no interior paulista. Com seu heavy metal carregado de influências do gothic e doom metal, introduzem no cenário underground da boa música brasileira uma série de arranjos melódicos e obscuros, que nos transportam às mais diversas situações que possamos imaginar: do fundo de uma garrafa de absinto à fervescência do surgimento de falsos profetas, passando pelas paiságens geladas da Rússia e pelos feitos místicos de Rasputin.

Apresento-vos pois a banda:
Marcos Riva & Ella Mell - Vocais
Fernando de Almeida & Gustavo Campos - Guitarras
Humberto Masçau - Baixo
Ricardo Menezes - Bateria

Músicas:















Be my guests and enjoy!

domingo, 19 de dezembro de 2010

Férias

Minha cabeça está cansada.
Meus textos estão sendo sempre um "mais do mesmo".
Não entendo.
Não capto.
Não escrevo.
Até tento, mas nunca consigo modelar como eu quero.
Vou dar um tempo de meus textos, minhas críticas...
... meus poemas? Não!
Enfim, tenho apenas isso a dizer.

Obrigado àqueles que leram os relatos deste marinheiro amotinado.
Por hora ficarei ancorado, esperando a pior das tempestades passar, mas quando as nuvens clarearem um pouco e os raios não mais me cegarem eu volto ao alto mar.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Rammstein - Seemann

Nesses dias estranhos (nos quais não consigo escrever sem me desconcentrar com frequencia, afetando dramaticamente a qualidade dos textos) me vem a necessidade de relembrar (ou apresentar, para alguns) de onde veio a idéia do nome do blog e o significado que ele tem. Abaixo seguem o videoclipe, a letra e a tradução da música da banda alemã Rammstein.



Komm in mein Boot
ein Sturm kommt auf
und es wird Nacht

Wo willst du hin
so ganz allein
treibst du davon

Wer hält deine Hend
wenn es dich
nach unten zieht

Wo willst du hin
so uferlos
die kalte See

Komm in mein Boot
der Herbstwind hält
die Segel straff

Jetzt stehst du da an der Laterne
mit Tränen im Gesicht
das Tageslicht fällt auf die Seite
der Herbstwind fegt die Strasse leer

Jetzt stehst du da an der Laterne
hast Tränen im Gesicht
das Abendlicht verjagt die Schatten
die Zeit steht still und es wird Herbst

Komm in mein Boot
die Sehnsucht wird
der Steuermann

Komm in mein Boot
der beste Seemann
war doch ich

Jetzt stehst du da an der Laterne
hast Tränen im Gesicht
das Feuer nimmst du von der Kerze
die Zeit steht still und es wird Herbst

Sie sprachen nur von deiner Mutter
so gnadenlos ist nur die Nacht
am Ende bleib ich doch alleine
die Zeit steht still
und mir ist kalt


Tradução



Venha pro meu barco
Uma tempestade se levanta
E a noite chegará

Aonde você vai
Assim sozinha
Levada embora

Quem segurará tua mão
Quando isto te afundar?

Aonde você vai
Nesse gelado mar sem fim

Venha pro meu barco,
O vento de outono
Mantém as velas firmes

Agora estás lá no farol
Com lágrimas pelo rosto
A luz do dia se inclina
E o vento do outono varre as ruas

Agora estás lá no farol
Tens lágrimas pelo rosto
A luz da noite persegue as sombras
O tempo está parado e o outono chegará

Venha pro meu barco,
A saudade se torna o timoteiro

Venha para o meu barco
O melhor marinheiro era eu

Agora estás lá no farol
Com lágrimas pelo rosto.
O fogo tomas da vela
O tempo está parado e o outono chegará

Eles so falam da tua mae
Tão impiedosa é somente a noite
No fim eu fico sozinho
O tempo está parado
E eu sinto frio...

domingo, 21 de novembro de 2010

(In)Sanidade Sóbria #2


Temo, meus caros e raros leitores, que esteja perdendo minha sanidade.
Não sei explicar como e nem por que acho isso, mas eu sinto que algo está indo embora, escorrendo sem que possa conter o fluxo.

Temo que a vida em nossa sociedade, na qual sempre busquei observar, compreender, entender e criticar o que é tido como “padrão ideal” esteja me sugando as faculdades mentais a um nível além da articulação verbal ou escrita.

Temo, acima de tudo, me tornar cinza. Não por opção, mas por falta de um vento em meio a essa fumaça. Aliás, não digo nem ser a falta de vento, mas a falta de alguém que deseje despertar desse sonho de vulto e a falta de bons resultados às minhas ultimas tentativas. Como eu sempre digo: a esperança é uma praga devoradora.

Não quero isso. Eu eternamente repudio a aceitação dessa “transcromatização”, seja ela passiva ou ativa. Essa possibilidade de me perder na névoa cinzenta e confusa me aterroriza. Ronda meus pensamentos noite e dia e, quando a esqueço (são raros os momentos) não demora muito para que algum fato ou alguém me relembre do inimigo impalpável com o qual batalho incessantemente nas arenas de meu cérebro.

Não vou desistir de lutar, mas devo dizer que a batalha é árdua e solitária, uma vez que poucos se atrevem a chegar muito perto das garras da besta, sabendo o quão atrativa ela é e o quanto ela nos deixa sedados e plugados no vazio, enquanto nossas mentes se atrofiam num stand-by eterno.

Não sou a encarnação da verdade, tampouco seu dono, mas não posso compactuar com a neblina dos Homens Cinza e peço a vocês que também evitem tal conduta. Mantenham seus olhos abertos e seus ouvidos aguçados para ouvir a mudança dos ventos.

Não sei se deveria ter escrito ou postado isso, mas a verdade é que temo esperar demais pra dizer o que deve ser dito.

(In)Sanidade Sóbria #1

Acordar
Ir à escola.
Estudar (ou fingir que estudou).
Passar de ano.
Passar no vestibular.
Se formar.
Se casar.
Ter filhos.
Trabalhar.
Trabalhar.
Trabalhar.
Trabalhar.
Trabalhar.
Odiar.
Os outros.
Odiar.
Si mesmo.
Detestar.
A vida.
Sua vida.
Vazio.
Adoecer.
Odiar.
Seus filhos sua família seu apartamento seu vizinho seu vício seu trabalho sua mãe seu irmão seu amigo seu amigo irmão sua sogra seu deus seu pai e o espírito santo, amém.
Azedar.
Amargar.
Morrer.
Liberdade? Tormento?
Não.
Sua vida sóbria e sadia.
Sua vida cinza, sombra da Vida.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Naufrágio

Vozes me dizem
Que dizer a você
Que não vê
Que não quer

E nessa tarde
Que rezo o mar
Sem te ver
Sem chegar

Ouço nas ondas
Vontade a gritar
O fulgor
O calor

Um marinheiro
Sem terra natal
E o naviu
Naufragou

Vento me abraça e diz
Caminho a tomar
A nau ainda imerge
Sob as ondas do mar

Aqueles marinheiros
Estão tentando nadar
No oceano de opulenta dor
Nós vamos flutuar

Distante a ilha
Neblina no ar
Vou nadar
Vou cansar

Nado, não chego
Noite vem luar
Solidão
Evasão

Não há sereias
Ou monstros do mar
Redenção
Ou perdição?

Olho pro alto
Silêncio mortal
Naufragou
Minha nau

A esperança rota agora
Quer me abandonar
Mas nela me agarro
Pois não quero me afogar

A ilha no horizonte
Tão distante de alcançar
Parece caçoar de mim
"Aqui não vais chegar"

Ouçam minha súplica
Ó grandes Deuses do mar
Salvem este seu servo
De uma triste morte ao mar

Na noite longa e negra
Meus gritos a ecoar
Do sono oco e cinza
Eu estou pra acordar

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Audácia Imprecavida: Novos Homens

Não sei se devo, se posso ou se é muita pretenção de minha parte, mas sei que sem sombra de dúvida é minha vontade. De qualquer forma, não consigo mais guardar isso na minha cabeça apenas, tenho que externar para os tão raros leitores deste barco à deriva.

Nietzsche, em uma de suas várias obras, classificou o homem moderno em três categorias distintas: o Homem Camelo, que vive de acordo com o que os outros querem, a manifestação mais clara do que chamo de cinza, o Homem Leão, enraivecido com a condição e número de Homens Camelo, bem como com a sociedade que os cria, e o Homem Criança, sábio, tolerante, ponderado.

Pois bem, refletindo cheguei à conclusão de que, com o tempo e com o impacto da cultura surgiram aqui novos tipos de homem (derivados do Homem Camelo em sua grande maioria), os quais são:

Homem Macaco: vive sem ter conhecimento de sua própria existência como indivíduo, vive desesperadamente atrás de entretenimento (geralmente de natureza baixa e pejorativa). Detesta os momentos de solidão e principalmente os de silêncio, pois estes são, para ele, como janelas para uma planície infértil (seu Eu interior). Mostra completo desinteresse sobre assuntos de natureza reflexiva e política, alegando tédio, o que explicita também a mente atrofiada.

Homem Babuíno: estado de inanição mental do Homem Macaco somado à força bruta descontrolada. Um ser humano com mentalidade de neanderthal, que busca sempre o controle dos mais fracos através do grito mais alto e do braço mais forte.

Homem Boi: ruminante de idéias. Vê o seu estado mental deplorável, reflete sbre ele e faz promessas de mudança, sem nunca tirar nada do papel. Em seu íntimo se sente um verme incapaz de mudar e justamente por isso nunca mostra nenhuma atitude. Apesar disso é o que mais fala, mais reclama e mais diz que vai fazer e aconteder. Ledo engano.

Homem Almofada: nada o incomoda, o atinge ou o perturba. Qualquer coisa está boa para ele. Não se importa se for batido, pisado, humilhado, escarrado, cuspido, etc. Geralmente é muito carente e necessita de alguem que ao menos o trate mal. Inerte.


Pediria desculpas pela memória do grande mestre Nietzsche, mas isso colocaria-me no papel de servo subalterno dele e não no de aprendiz.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Starblind - Iron Maiden




Take my eyes the things I've seen in this world coming to an end
My reflection fades, I'm weary of these earthly bones and skin
You may pass through me and leave no trace, I have no mortal face
Solar winds are whispering, you may hear me call

We can shed our skins and swim into the darkened void beyond
We will dance among the world that orbit stars that aren't our sun
All the oxygen that trapped us in a carbon spider's web
Solar winds are whispering, you may hear the sirens of the dead

Left the elders to their parley meant to satisfy our lust
Leaving Damocles still hanging over all their promised trust
Walk away from freedom offered by the jailors in their cage
Step into my light startripping over mortals in their rage

Starblind with sun
The stars are one
We are the light that brings the end of night

Starblind with sun
The stars are one
We are with the Goddess of the sun tonight

The preacher loses face with Christ
Religion's cruel device is gone
Empty flesh and hollow bones
Make pacts of love but die alone

The crucible of pain will forge
The blanks of sin begin again
You are free to choose a life to live
Or one that's left to lose

Virgins in the teeth of God are meat and drink to feed the damned
You may pass through me and I will feel the life that you live less
Step into my light startripping, we will rage against the night
Walk away from comfort offered by your citizens of death

Starblind with sun
The stars are one
We are the light that brings the end of night

Starblind with sun
The stars are one
We're one with the goddess of the sun tonight

Take my eyes for what I've seen
I will give my sight to you
You are free to choose whatever
Life to live or life to lose

Whatever God, you know
He knows you, better than you believe
In your once and future grave
You'll fall endlessly deceived

Look into our face reflected in the moonglow in your eyes
Remember you can choose to look but not to see and waste your hours
You believe you have the time but I tell you your time is short
See your past and future all the same and it cannot be bought

Starblind with sun
The stars are one
We are the light that brings the end of night

Starblind with sun
The stars are one
We're one with the Goddes ofthe sun tonight

Take my eyes for what I've seen
I will give my sight to you
You are free to choose whatever
Life to live or life to lose

Whatever God, you know
He knows you, better than you believe
In your once and future grave
You'll fall endlessly deceived

The preacher loses face with Christ
Religion's cruel device is gone
Empty flesh and hollow bones
Make pacts of love but die alone

The crucible of pain will forge
The blanks of sin, begin again
You are free to choose a life to live
Or one that's left to lose

domingo, 31 de outubro de 2010

Luto...

... pois o povo brasileiro (vulgo bois e babuínos) escolheu a Morte* como ideal.


E a verdade é: Em terra de cego, surdo e burro quem tem olhos, ouvido e cérebro é defunto decaptado.

* Agora acho que quem quiser entende qual o assunto tratado por mim em "Entre Mortos e Feridos"... ou não.

domingo, 24 de outubro de 2010

"I Love My Colony!"

Bela colônia vocês tem aqui!

- Colônia? Mas nós estamos independentes há 186 anos!

Sério?! Nossa! Desculpe, devo estar com uma terrível miopia mental. É que quando olho para vocês nativos e para seu governo eu tenho a nítida certeza de que estou em uma colônia de fim de mundo!

- “Vocês nativos”? Ora, porra, e você nasceu aonde? Não foi aqui não? E que onda é essa que você tá falando?

Putz, desculpa mais uma vez. É que não consigo reconhecer esse pasto como minha terra natal... Foi puro acidente geográfico eu ter nascido aqui.

- É o que? Cê é puta, é desgraça? Tá me chamando de boi, porra?! Bora, explica logo que lance é esse aí!

Não, pô, é que eu observo que absolutamente ninguém que é genuinamente filho dessa terra se importa com coisa alguma. Seja com a limpeza das ruas, seja com os bens públicos... Nem com o rumo da política vocês, babuínos, se preocupam. Fico realmente impressionado.

- “Babuínos”? C quer sair na mão, não quer? Cai pra dentro! Bora!

Um baiano, aliás, um brasileiro legítimo: Cego, burro e ignorante! Filho, esse paíszinho de merda, por causa de pessoas como você e como a corja que está no governo (e que tenta, passando por cima de tudo e de todos, se manter lá), é como uma puta. Perna aberta pra quem quiser entrar e meter o pau. A questão é que agora essa puta virou crente e critica o mundo pra manter as aparências, mas no escurinho de um beco ainda recebe a madeira sifilítica de um árabe, de um cubano, de um venezuelano...

- Ahh sim, saquei sua parada. Cê é daqueles que gosta de política, né? Não curto isso não, é chato pra caralho.

Isso, isso. Vá ralar sua shana no asfalto, vá descer com seu tabaco no chão, vá beijar na boca.

Macaco.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Entre Mortos e Feridos...*

A incerteza da morte ou a vida mutilada?

1ª opção: afundar em trevas incertas enquanto sente seus sentidos dizendo-lhe adeus para sempre, ou não. Ficar sujeito a qualquer coisa que haja do outro lado, ser peão sem voz.

2ª opção: continuação capenga e infeliz daquilo que você deixou, sujeito ao esquecimento e ao ostracismo, comensais da solidão. Dizem que se vive bem sem uma mão, sem um pé, sem um olho. Mentira.

3ª opção (perda da honra, se é que ainda existe isso hoje em dia): fugir da obrigação e desertar, pensando se eximir da culpa da situação dos outros, mas se torturando por não ter mostrado para que veio.

Na verdade, entre mortos e feridos foderam-se todos.

Não há uma melhor escolha, há apenas o ruim e o pior (que varia de acordo com o ponto de vista).


* não creio que muitos entendam qual é o tema desse texto, que está muitíssimo polissêmico, mas essa é a graça de escrever.

sábado, 9 de outubro de 2010

Esclarecimentos

Acho que devo algumas explicações aos visitantes e eventuais leitores (raras almas, tenho consciência) sobre alguns termos e temas que faço uso. Sei que, para quem entende meus textos, não há necessidade alguma disso, mas também sei que são pouquíssimos os que se enquadram nesse grupo.
Como podem perceber eu tenho uma certa fixação no “concreto cinza”, em como evitá-lo, em como combatê-lo, em identificá-lo no cotidiano das grandes – e cada vez mais nas pequenas – cidades. Não gosto do convencional, não gosto do pré-formatado. Para mim ser como “todo mundo”, ser “normal” é repulsivo, me dá ânsia, angústia, entendem? E, por causa dessa angústia, não consigo ficar calado (na verdade não consigo entender) quando vejo os caminhos cada vez mais asfaltados, cada vez mais urbanos, cada vez mais sóbrios que a humanidade toma.
Às vezes preferia, sinceramente, ser mais uma máquina de produção. Não sofreria com a decadência ácida. Muito pelo contrário, ficaria feliz, acharia tudo lindo, brilhante (mesmo sendo cronicamente cego), teria os mesmos sonhos e aspirações que todos os outros, apenas trocando alguns detalhes genéricos desimportantes. (Na verdade não. Não desejaria ser um macaco mecânico. Acabaria caindo no fogo infernal dos conhecimentos banais excessivos... Gastaria uma encarnação apenas para manter a roda de concreto girando.)
Enfim, deixando as prolixidades de lado, meus textos sempre serão metáfora do vazio que nos permeia, sempre serei poeta da desolação em massa (e da massa), da insignificância de uma vida para o universo (coisa que vem sendo mascarada, maquiada e escondida desde muito, muito tempo).
Não sou utópico. Sei que é preciso que existam dominados e sei que os dominadores são imprescindíveis em qualquer sociedade animal. A questão é que, com o passar dos séculos, tais dominadores foram escavando a terra e hoje batem à porta do núcleo do planeta, sem se tocar (ou até com uma vaga noção) de que se lá entrarem tudo desmoronará, tudo acabará.
Que diria Nietzsche se vivesse nos dias de hoje? Ele que, à sua maneira, também lutava contra o avanço do concreto cinza e que apontava seus principais erros estruturais (que já foram há muito rebocados e hoje apresentam máscara nova)?
Seja como for, ele não se resignaria. Nós também não o devemos.
O homem cinza é pior parasita que os homens de carne. Os homens de carne destroem por prazer, por medo, por tesão. Os homens cinza destroem por astúcia, por indiferença, pelo seu próprio ego.
Nós, homens de carne, somos animais. Eles, homens cinza, são criaturas anti-naturais.
É então que convoco-os: minemos, cada um ao seu jeito, a paciência, a astúcia desses seres. Ajamos como vermes em carne podre, comendo pouco a pouco a carne morta. Ajamos como parasitas de parasitas.
É isso que defendo, é disso que eu falo, é por isso que eu vivo.

Soneto do Eremita

Sob meus pés se destaca a areia morta
Sobre meu corpo se erguem martelos impuros
Perante meus olhos se posta a praga mansa
Dentes finos, cerrados, dedos longos, descarnados

E dessa praga nascem povos, e de povos legiões
É uma batalha perdida, é o peso de multidões
Que sentam em três peitos vivos e lhes tiram o ar
Semi-mortos, olhamos para tudo aquilo que já foi azul

Não me rendo, não me renderei!
Prefiro morrer nos olhos da Besta
Mas por favor, não me deixe ficar cinza!

Não me entrego, não me perderei!
Não sou prostituta dos céus de brita
Me mate, mas por favor, não me deixe ficar cinza!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Intercessão de Vazios

Sentou-se em sua mesa abarrotada de papéis e apostilas com um prato minguado de comida insossa e um copo de energético do lado. Sua mãe reclamava, mas era preciso estudar, sempre! Dormir? Quem precisa disso? Relaxar? Isso é coisa de vagabundo! Ele não pode se deleitar com essa coisa de massa, com essa coisa de homens medíocres, afinal ele é superior! (Na verdade, na mais pura e tocante verdade, ele sente inveja dos que chama de medíocres e se detesta por isso. Seus amigos nunca seriam tão fracos a ponto de gastar um segundo pensando neles. É preciso matar e sepultar essa vontade de mediocridade e, senão isso, pelo menos escondê-la dos outros.)
Engole o jantar raquítico com rapidez e bebe dois grandes goles do energético. Precisa ficar acordado, precisa estudar!
Sente-se um pouco zonzo, sabe que não vem entendendo coisa alguma do que falam na sala de aula, sua cabeça parece cheia de finas lâminas de chumbo. Mas não importa, deve ser a ausência de sustança na comida que vem ingerindo nos últimos tempos. O que de fato importa é estudar. Tem que resolver todas as questões das apostilas, tem que se manter afastado do medíocre, tem que ser superior, admirado. (É um macaco inseguro carente de atenção, um ser inferior.)
Estuda. Vira a noite entre apostilas, equações e fiapos de borracha.
Ao amanhecer ele para, levanta e olha pela janela. Deseja o mundo que passa por suas retinas, deseja o reconhecimento, prêmios, entrevistas. Estudar, sim, estudar. Só com o estudo ele poderá começar do topo e sair do buraco social (e, pensa sorrateiramente, existencial) em que está imerso. (Pobre e podre macaco.)

* * *


…sobe. Desce. Sobe. Desce.
- Ah... vai... mais fundo... vai..!
Sobe. Desce. Sobe. Desce.
Levanta.
Sobe. Desce. Sobe. Desce.
Tombo.
Riem.
Vai. Vem. Vai. Vem.
Vai, vem, vai, vem, vai, vem...
Levantam.
Beijo.
Beijos.
Encaixam-se.
Vai. Vem.
Vai, vem, vai, vem, vai, vem, vai, vem, vai...
Vai vem vai vem vai vem vai vem vai vem vai vem vai vem vai vem...!!!!!
Vaivemvaivemvaivemvaivemvaivemvaivemvaivem levanta sobedescesobedescesobedescesobedescesobedesce.......................!!!!!!!!!!
Param.
Silêncio
Olham-se.
Ela levanta, ele fica na cama, deitado. Recosta a cabeça no travesseiro, sorri. Conseguiu pegar e comer a menina mais gostosa do colégio, vai porra!
Ela volta, foi tomar banho.
Ambos se deitam. Ela dorme logo, ele fica rindo para o teto.
Com o tempo o riso se esvai, os olhos fecham, o sono vem.
Em sonhos ele some ante o peso do mundo, ele corre para saber que não saiu do lugar, ele come e se sente vazio.
Em sonhos ele vê o real. Na realidade ele vê o sonho. (Alheio à verdade mais um macaquinho dorme disturbado.)

* * *

Festa.
O som alto agradava seus ouvidos, muito embora sua expressão facial indicasse o contrário. Tinha que manter as aparências.
Estava sentada com suas amigas em algumas das poucas cadeiras desocupadas. Era festa de quinze anos de sua prima e todos se divertiam. Menos ela. Tinha que sustentar a imágem de boa moça.
A conversa ia enjoada, enojada. Queria mesmo era dançar, mas o que diriam se a vissem fazendo tudo que deseja? Não, não! Melhor ficar quieta no canto mesmo. Qué que tem demais aguentar algumas horas de conversa chata? Faz isso todos os dias de sua vida. Já se acostumou.
Enquanto suas amigas falavam ela se concentrava apenas no som alto, na música baixo-astral que ela condenava, em como ela lhe dava vontade de dançar, ficar e (“Deus me perdoe!”) de transar! Nossa, era um impulso muito forte!
Mas não. Não, não, não e não. Não vai ceder, uma hora a vontade passa.
Mas não passou.
Fim da festa.
Todos os convidados já tinham ido embora e ela se despedia da prima. Ainda sentia aquela chama queimando seu baixo ventre, precisava chegar em casa o mais rápido possível!
Não adiantou, a chama ainda queimava, a consumia por completo. Tinha medo de deixar transparecer nas feições a sua vontade, tinha de se esconder!
Banheiro.
Nua, se olha no espelho. Sente desejo. Olha para a mão. Se olha.
Deus me perdoe...!
("Amém", diz o Macaco.)

* * *

Segunda-feira, monotonia rotineira.
Um senta-se já com o módulo aberto, fingindo estudar, para chamar a atenção de seus colegas, quer que venham lhe pedir ajuda, quer ser superior.
Outro conta, numa roda de amigos, como foi comer aquela menina, sente-se invejado, sente-se, em suas palavras, O Foda. (Mas de sua cabeça não saem os pesadelos terríveis que vem tendo.)
Ela mais uma vez imerge em conversas sem nexo, sem cor, sem gosto, sem prazer. Vez ou outra olha para sua mão e lembra-se do que fez (com orgulho? Com remorso?), sente vontade de sexo.

Se perguntados, muitos diriam ver uma sala de aula completamente normal, com seus núcleos e panelas.

Se me perguntam eu digo o que vejo: um infinito de vazios, todo um universo de vidas artificiais se cruzando, fingindo viver, mas apenas sobrevivendo.

Eu vejo uma intercessão de vazios.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Qual Mão?

Em terra de destros e canhotos perderam se todos, esse é um fato.
Por que os canhotos tem de ser hegemônicos (em número) encima dos destros? Por que ser destro é ruim?
Não, me recuso a ser canhoto. Me recuso a entrar na do palhaço maquiado. Me recuso a socar minha mente nessa massa de trigo podre e grama suja.
Por outro lado também me recuso a ser destro, a atender aos padrões dessa sobriedade cinza e cancerosa. Me recuso a criar limo nas juntas e beiradas de meu ser.
É aí que paro e pergunto: se não sou canhoto porque não gosto de massa ruim e se não sou destro porque não gosto do cinza moribundo... que porra eu sou?

- Nada, oras. Você é o olho, você é a boca, você é o cérebro. Você é.


Sem mais.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Concreto Cinza

Ele estava estarrecido. Como tudo mudara em tão pouco tempo? Não sabia.
Nem tinha como saber.
Olhava, espantado, para a paisagem. Cinza. Concreto cinza.
Meu Deus... - era para ser uma exclamação, que sua garganta atrofiada não conseguiu reproduzir.
“Deus? O que é isso?” Parecia perguntar-lhe aquela vista.
Uma raiva nascia em seu peito magro, tísico. Raiva que inflamava no meio daquela frieza. Um ponto vermelho (e insignificante) em meio ao aço e concreto.
Buscou um olhar, mas tudo parecia estático.
Pôs-se a andar.
Caçava um rosto, um ato, um verbo. Nada. Apenas blocos enormes de concreto cinza e aço. Tudo vazio.
Sentou-se na terra descolorida e recostou-se num tronco prateado. Chorou.
Passou o dia. Passou a noite. Nada. Cinza.
Faminto. Mas não de comida. De companhia, de gente.
Levantou-se.
Andou durante dias cinzas por entre a paisagem cinza.
Nada.
Desesperou-se.
Louco.
Gritou.
Dormiu.
Há, então, um barulho. Passos!
Não.
Uma marcha. Gente.
E viu aquela legião.
Centenas, milhares, milhões de rostos em marcha.
Correu para eles. Esperança. Infeliz.
O sorriso estava estampado em seu rosto.
E a multidão em marcha pela terra cinza.
De repente eles pararam. Ele também.
Milhões de olhos cheiravam sua carne. Cheiro humano.
Entre lágrimas tentou falar-lhes:
Quem são vocês?
Eu sou o Mundo! - Respondeu o coro uníssono.
Finalmente ele entendeu.
Abaixou a cabeça e saiu da frente.
O Mundo continuou sua marcha, impassível.
Ele buscou a sombra de um bloco cinza e sentou-se.
Olhou.
Minguou.
Sofreu.
Morreu.

sábado, 4 de setembro de 2010

Despedida

Tragando da sua presença
Me fiz seu boneco mudo
E o abraço de seu veludo
Em mentiras mergulhou minha crença

A mente forte de um coração
Fraco e carente de afeição
Não conseguiu resistir e quebrou
Acreditando, no fim se enganou

Nenhum momento foi real
Ilusões de sonhos construídos
Nem mais um verbo no funeral
Almas e corações iludidos

Acabada a dor
Mudos ficaram os atores
O Império ainda erguido, embora
Roída a carne do Imperador

A fogueira queimou, queimou
E aqueles riam, bebiam
Os fogos calaram, cessaram
O peso da morte da farsa, disfarça

Sim, o amor machuca
Engana e mata
É um vício louco
Uma obsessão maluca

Nos lançamos sem pensar
Irresponsavelmente agindo
Não vimos como iria acabar
Acontece que agora estamos caindo

Agora é tarde
Digo-lhe apenas isso:
Enquanto assim você for
Um mundo como esse
Sempre estará errado

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Robôs de Carne e Osso

“Se vai chover, tá lindo, eu quero me molhar / Se o sol brilhar sorrindo eu vou comemorar [...]”

Bonita a poesia dessa música da banda Jamil, né?
“Não importa o que aconteça, tudo estará bem. Não importa o que mude, eu vou ser feliz e comemorar!”.
Que maravilha lírica, não? Ser feliz é tão bom, é por isso que eu gosto das músicas de axé... Elas passam a alegria de viver o hoje, sem me importar com o que vem depois, afinal o amanhã a Deus pertence!

NÃO!

A letra dessa música não mostra nada mais que o consciente pobre do baiano médio.
Sinceramente, aqui em Salvador tá impossível de suportar o nível de idiotia da juventude. Eles vivem imersos em pagodes e axés, estilos musicais meramente festivos, sem conteúdo algum. É triste.
Não se importam com nada além de suas vidas de cristal. Seu mundo é perfeito, idealizado. São espécies endêmicas dentro de seu próprio habitat.
Nada de mal pode lhes acontecer. Aliás, qual o conceito de mal em suas vidas? Algo que ofusque seu brilho pessoal, creio eu.
É absurda a maneira como o mundo se comporta. Cada dia vemos mais e mais desses seres vazios, protótipos de humanos, robôs de carne e osso programados para reproduzir a filosofia profunda contida nas músicas que tanto gostam e das quais retiram seu modo de vida.

“Não importa o que aconteça depois se todos formos felizes agora”.
Claro, viva inconsequentemente o presente e morra mais cedo.

“Nada está terminado até que esteja bem”.
Você vive uma vida vazia e vive usando dessa frase pra se consolar, pois sabe que a verdade é bem diferente disso.

E como já dizia o poeta (um poeta de verdade, por favor):
“Ah... triste Bahia.”

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cai mais uma maçã

Brigas e discussões. Falsidade, intrigas e traição. Sexo.
Tudo isso contribuiu para a cena que estamos prestes a presenciar, caro leitor. Eu, o narrador que tudo vê e tudo sabe, e você, com quem partilharei de minha onisciência.
De onde estamos observamos o ambiente: o terraço de uma antiga construção abandonada num dos bairros populares da cidade. Já é fim de tarde, umas cinco e vinte, mais ou menos. O sol ainda se faz presente nesta pequena porção do mundo, parece que também tem curiosidade de saber o que vai acontecer.
Lá embaixo os carros marcham lentamente rumo a suas garagens. Cada motorista pensa única e exclusivamente em sua vida, seus relacionamentos, seu trabalho, suas preocupações. Ninguem olha para cima. Ninguem liga pro carro ao lado. Egoístas? Sim, mas quem não é? Vai mentir pra mim dizendo que quando está voltando pra casa você se importa com algo mais, com alguem mais? Não.
Mas enfim, não te trouxe aqui para falar sobre isso, então vamos ao que interessa.
Ela dá mais um passo a frente e olha ao redor. Relaxe, ela não pode nos perceber.
Vemos seus olhos grandes e amendoados cuspirem mais uma lágrima.
Os pés descalços andam mais uma vez em direção à borda.
Sim, ela vai se matar. Não, não podemos fazer nada. E nem deveríamos, afinal ela optou por isso.
Sua roupa está suja. Seu rosto inchado. Suas mãos feridas de tanto esmurrar e estapear a parede. Em sumo: é uma idiota.
Oh, você discorda? Me mostre argumentos.
Se matar por amor é tão infantil.
Além do mais, isso não é amor, é uma ilusão que causou dependência afetiva.
“Não posso viver mais sem ele!”
Sim, ela falou isso, acredite.
Pega distância, corre e pula.
Cai.
Morre.
Virou tapete persa encima do capô de um carro.
Morreu mais uma Barbie. Outras cem virão.
Talvez você mesmo, leitor, seja algo muito semelhante.
Você consegue acreditar nesses ideais românticos? Você acredita que o amor supera tudo e que a vida sem amor é um fracasso?
Se sim, meus pêsames.
Se não... pelo menos você tem consciência da verdade.
Agora vamos andar um pouco, alguns quarteirões.
Vê aquela macieira no quintal daquela casa? Pois bem, chegue mais perto, sinta o cheiro das frutas.
Espere só mais um pouco.
Agora.
Viu como a maçã caiu da árvore?
Viu como o morador da casa colheu a maçã?
Viu como ele entrou em casa?
Viu como para ele nada mudou?
Agora me responda: somos realmente alguma coisa significante?

sábado, 15 de maio de 2010

Cacos

Acordara.
Mais um dia, mais uma vida, mais uma face, mais uma alma.
Sentia-se cansado, de uns tempos pra cá não consegue relaxar nem enquanto dorme. Elas são muitas, elas mechem com sua cabeça, tiram sua estabilidade, brincam com sua sanidade.
Tempos atrás elas não existiam. Tempos atrás apenas seu eu reinava em sua mente. Mas agora as coisas mudaram. Por que tinha que ser assim?
Não tem mais certeza de nada.
Abre os olhos, senta-se na cama, olha para as cortinas fechadas.
Olha para o ventilador de teto.
Olha para a porta. Levanta.
Agora não sabe mais se ele é especial, se ele é único. Por que?
Como foi que isso começou?
Olha para o espelho.
Como deixou que elas avançassem tão fundo dentro de suas convicções?
Sentia-se violado. Sentia-se esvaziado.
Nada que foi dito era verdade.
Ou era?
Baixa os olhos, fecha-os.
As incertezas acordaram e não iriam deixá-lo em paz até que sua mente fosse dormir.
Ou talvez nem assim.
Ele não acreditava na fraternidade entre seres humanos.
Ele não acreditava que pessoas poderiam ser boas de graça.
Ele acreditava no fim.
Agora não mais.
Agora sua cabeça o indagava por minuto sobre tudo o que pensava.
Agora se sentia fragilizado, indefeso, inconvicto, infiel.
Como tudo isso começara?
Lembra-se do sol.
Lembra-se dos risos.
Lembra-se da música.
Lembra-se de sentir quebrado com o fim.
Agora segue sustentando uma face oca. Face que começa a se desgastar, face que começa a mostrar os ossos, face que se esvairá em pouco tempo.
Odeia sentir-se assim.
Seu ego diz que é idiotice acreditar nas insinuações delas.
Elas dizem que é idiotice continuar sustentando a face podre.
Ele terá que escolher...
Ou não.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A Ave

“Não é justo!
Só pode ter sido um acidente!
Ela era uma menina tão alegre e prestativa! Amigos não lhe faltavam.
Por que, meu Deus, que isso foi acontecer com ela?
Ela nunca se suicidaria, com toda certeza foi um acidente, só pode ter sido!”

Assim pensam os pais, que julgavam conhecer sua filha, sua princesa.
Assim pensam os pais, que não aceitam o fato puro e simples.
Assim pensam os pais, transtornados com as acusações de suicídio de sua filha.
Eles não a conheciam. Tinham uma vaga desconfiança disso, mas o temor de que isso fosse verdade não os deixava chegar junto e olhar a alma de sua filha.
Eles sabem que ela se matou, mas resistem à verdade. Resistem à idéia de que tupo poderia ter sido evitado.
Eles se fazem de fortes, tentam ignorar as verdades ditas. Para eles a verdade é uma só. Para eles a venda começa a assumir o lugar das retinas.

* * *

“Não aguento mais!
Sempre estou aqui para todo mundo, mas não há ninguem que esteja aqui por mim!
Estou cansada.
Cansada de meus pais sempre acharem que está tudo bem.
Cansada de ter sempre que estar sorrindo, de ter que parecer absolutamente feliz, de ter que ser absolutamente feliz.
Quero ser livre.
Quero que essa máscara caia e quebre.
Quero voar como um pássaro.”

Ela pensava isso enquanto se preparava para a viagem.
Sentia-se um lixo. Sentia-se repugnante.
De suas amizades nenhuma era verdadeira. Não que eles fossem falsos, não, nada do tipo. Era ela o problema. Ela, que sempre tentava agradar todo mundo e que não conseguia gostar de ninguem.
Sentia-se sozinha e louca.
Queria voar.
Foi até a varanda do seu apartamento e vislumbrou a vista de sua cela aberta pela ultima vez.
Levantou vôo.

terça-feira, 27 de abril de 2010

O Meu Desejo

Eu quero a insegurança
As horas sem sono
A incerteza
A fraqueza

Eu desejo a vida
Como desejo a morte
Como desejo na morte
O desejo da vida

Eu preciso do não saber
Eu sou escravo do não entender
Pois quem sabe se fixa
Pois que sou nômade

Amo o não amar
Contradigo-me nos fatos
Desejo o lado obscuro, as verdades não ditas
Pois que sou morcego

Desejo o perverso
O mórbido
A contradição
Os valores e os defeitos

Desejo a punição
Desejo a ascensão
Desejo a criação
Almejo o inexorável

Dispenso o conhecimento pleno
Dispenso a certeza de si
Dispenso a crença cega
Rejeito o homem simples

Quem não se questiona se deixou estagnar
Se deixou acomodar
O mundo é conflito
Quem é paz é morto

Eu quero a guerra
Eu quero a revolta
Eu quero o conflito
eu Quero mais

sábado, 27 de março de 2010

Paz, enfim

Seu pai sumira mais uma vez.
Estava cansada disso, não aguentava mais ver sua mãe chorando encima de uma cama, solitária velha e doente. Não aguentava mais as bebedeiras dele. Não aguentava mais a dor dos murros que ele lhe dava com “carinho”.
Não aguentava mais.
Eram três da manhã, a cidade dormia e ela ali, indo buscar o bêbado desgraçado que infelizmente veio a ser seu progenitor. Medo de ser estuprada. Medo de ser morta. Medo de sua vida.
Ruas vazias. A noite sem luar parecia comprimir seus pulmões e impulsionar suas pernas. Havia alguem seguindo-a. Vira-se. Ninguem. Segue. Um olho no caminho outro na sua sombra.
Um boteco caindo aos pedaços. Gritaria, a música dos bêbados e vagabundos. Uma prostituta falava ao celular na porta do estabelecimento, brigava com seu cafetão, na certa. É, com certeza ele estava ali.
Entra. Deitado encima de uma mesa, balbuciando grunhidos indistintos e balançando uma garrafa de cachaça estava um homem de meia idade, calvo, com vômito secando nos cantos da boca.
Ele.
Seu pai.
Ela vai até ele, o carrega. Seus olhos se encontram. Sente náuseas quando encara seus olhos vermelhos. Olhos de bêbado. Olhos sem memória. Como tudo pôde chegar a esse ponto?
O dono do bar grita. Aquele homem tem dívidas ali, não vai sair sem pagar.
Ela tira duas notas e entrega ao cara gordo atrás do balcão.
Vão embora.
Ela está cansada daquela vida. Olha para o rosto do sujeito que carrega. Um estranho.
Nota que sua camisa, além de vomitada, está com manchas de sangue. Cirrose.
Uma lágrima acha seu caminho para fora. Escorre. Morre.
Por que levar aquele homem de volta para casa? Justo ele que nunca fez nada de bom para sua “família”?
Ora, porque ele é seu pai!
Não. Não tem pai.
Olha para o gordo fedido apoiado em seu ombro. Ele olha para seu rosto. Um branco inquietante vaza de seus olhos.
Não estão muito longe do rio da cidade.
Frieza toma conta de sua alma.
Ora, bêbados não conseguem nadar!
Desvia-se do caminho. É o certo a fazer. Sem mais sofrimento, sem mais dor.
Apóia-o no alambrado. Olha para as águas poluídas. O lugar de descanso ideal para ele.
Sorri, sombria, e empurra o bêbado fétido no rio de excrementos.
Paz, enfim.

* * *

Um império!
Agora sim ele tem a dimensão total do que seu pai criou nesses 20 anos de trabalho na empresa. Holdings e trustes a rodo, muitas filiais, centenas e centenas de empregados. Percebe por que nunca nada lhe faltara.
Sempre teve o que queria. Às vezes até o que não queria, ou que nem sabia que queria. Pois é, agora ele era o novo chefe, o novo Senhor Almeida, o novo Patrão.
Senta-se na cadeira de seu falecido. Sim, sim, seu pai morrera. De enfarte. Coisa triste. Muito triste.
Nossa... Como era grande a sala de seu pai! E que vista! Mal pode esperar para comandar tudo aquilo!
Mas isso foi em outro tempo. Outra época. Outra mentalidade.
Hoje, 30 anos passados, não consegue mais sentir a empolgação de antes. Não enxerga mais o império. Como Roma, este já caiu faz muito tempo. Holdings? Não mais, apenas uma fábrica têxtil. Trustes? Só rindo.
Não tem mais nada. Nada.
Ele foi bem sucedido em destruir tudo aquilo que estava garantido.
Deus, como pôde ser tão cego?
Tem uma esposa mal caráter, que o trai com certeza, tem dois filhos que mais lhe parecem inquilinos (melhor, parasitas!), seu dinheiro vazou pelo ralo ou queimou nas fornalhas.
Senta na grande sala de seu pai.
A vista continuava a mesma. A cadeira continuava a mesma. A sala continuava a mesma.
Só ele mudara. Só ele testemunhara seu apocalipse pessoal.
Abre uma gaveta.
.38espiando por debaixo de uma pilha de dívidas.
Tentação. Cede.
Lentamente leva o cano à boca. Revólver cromado, tinha sido de seu avô.
Sorri, sombrio e aperta o gatilho.
Paz, enfim.

* * *

“Eu não quero morrer um homem solitário” pensa.
Havia dedicado sua vida inteira para a Igreja e, agora que a velhice chegara, começava a se arrepender disso.
70 anos. 50 se resguardando sob a batina, fugindo do mundo, fugindo de si mesmo. Deus... que desperdício de vida! Não tem família, não acredita mais no ideal católico, sente-se vulnerável, frágil.
A Igreja é corrupta. Antro de pedófilos, ladrões, obsecados e perturbados. Ele é um dos poucos que se salva. Ainda.
Sentado em sua cama, olha para o crucifixo pendurado na parede. Olha para Cristo. Olha para o sangue. Sangue... quanto desse líquido vermelho a Igreja não havia derramado?
Deus, como pôde estar tão enganado?
Deus... apenas uma força de expressão. Não crê mais na existência de tal ser. Não tem como.
Seus sacerdotes são a antítese do santo. Sua casa é o antro do pecado.
Deus... que monstro te tornastes.
Levanta, vai até o guarda-roupas e se troca. Tira sua fantasia de padre, coloca sua identidade de homem. Abre a porta, sai.
Nunca mais será visto por lá.
“Nunca mais entrarei num lugar como este” pensa.
Cidade. Noite.
Bordel... Deus, como sempre quis isso!
Entra.
Cheiro estranho. Cheiro bom. Cheiro de pecado. Não. Cheiro de sexo.
Sente-se homem pela primeira vez na sua vida.
As prostitutas olham para ele.
Ele olha para elas.
Escolhe uma.
Ele sorri, sombrio.
Sobe para o quarto com a sua acompanhante.
Paz, enfim.

* * *

7:00 da manhã.
Hora de acordar.
Hora de enfrentar o inferno.
Ela abre os olhos, cansada, e olha para o homem que dorme ao seu lado. Um desconhecido e mesmo assim seu marido.
Há 20 anos todos os dias começam iguais. Há 20 anos todos os dias se reciclam em algo pior que o anterior. Há 20 anos está morta.
Senta em seu sepulcro, põe os pés no chão e levanta. Há 20 anos... há exatos 20 anos optou por entrar na prisão que se chama casamento. Hoje é aniversário de casamento, meus pêsames.
Anda até a cozinha, pega a cafeteira, o pó de café e o coador. Um dia como outro qualquer. Daqui há uma hora ele se levantaria, iria beijá-la, abraçá-la e lhe dar seu presente. Ela iria fingir que gostou, iria lhe mentir sentimentos, iria abraçar sem sentir.
Mecânico. Robótico. Simples assim.
Ela queria mudar de vida. Não queria mais ser “a esposa”, queria ser “A Mulher”.
Ah Deus... por que essa vida miserável?
Deus? Ele a aprisionou nessa cela e jogou as chaves fora. Ele é o culpado.
Apronta a mesa. Flores, doces, pães, café fresco, suco, uma maravilha! Exceto, é claro, para ela.
Ela sentia a podridão de toda aquela limpeza, ela sentia a fraqueza de toda aquela vida, ela tocava o vazio que lhe tomava.
Vai até o banheiro. Olha-se no espelho. Como pôde ter caído na armadilha do casamento?
Como..! Ele acordou!
Rapidamente coloca sua máscara de esposa e esconde sua face de Mulher.
Ele a beija, ela retribui. Ele diz que a ama, ela mente. Ele lhe traz um presente, ela sente o ódio.
Tomam o café. Ele se arruma. Sai.
Sozinha de novo.
Mulher de novo.
Procura um meio de sair de sua cela, de reviver. Espera que os vermes não tenham devorado muito de sua alma.
Toma uma decisão, vida em dia de enterro.
Sorri, sombria. Pega algumas roupas, maquia-se e sai.
Paz, enfim.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (O Relógio)

12:00.
O começo e o fim.
Dois opostos em um.
O Homem não se dá conta que sua vida está completa. Sempre quer mais. Sempre mais.
Inevitavelmente Ele se depara com o desejo de controle daqueles que conseguiram abstrair os valores da realidade. Inevitavelmente Ele corre por um dos três caminhos básicos. Inevitavelmente Ele morre na teia da aranha.
Mas as vezes o Homem pode entender a natureza falsa da realidade que o cerca, abrindo caminho para a quarta opção.
Ver o mundo como realmente é dói.
Como encarar o fato de que a humanidade corre para o poço, enquanto que a luz está do lado oposto?
Não se encara.
Se enlouquece.
Não adianta mostrar a direção para um cego, ele não a acertará de jeito algum.
Somos sombras nesse mundo vazio.
Vemos a luz. Podemos chegar à luz. Absorvemos tudo o que ela tem para nos mostrar.
Mas eles não, eles preferem a noite mascarada pelo sol cinza. Eles preferem a verdade de vidro.
00:00.
O fim e o começo.
Dois opostos em um.

[Conto] Pagão (parte XIV)

Ruas.

Rostos.

Vazios.

Onde está aquilo que ele procurou?
Onde está a vida que perseguiu?

Tudo o que sempre quis... não existe.
Nunca existiu.

Caiu na teia.
Caiu para a morte.
Não há como sair.

Corre.

Evitam-no.

Faces.

Esgares.

Não quer mais isso. Não consegue mais aguentar.

Pior que a solidão é estar sozinho numa multidão.

Uma multidão cega. Abstrata.

Domada.

Unida por um pensamento comum.
Unida por ser artificial.

Terremoto.
Paredes caem.
Prédios caem.
Casas caem.
Pessoas morrem.

Ele corre.

Se afasta.

Se despe.

Pôr do sol.

Olha. Vazio.

Relógio.

11:50.

Bússola.

Enterra-a.

Senta-se. Olha a bola de fogo cinzenta sumindo.

11:55.
Chora. Foi tudo em vão.

11:57.
Uma sombra. Na sua frente.
Olhos mortiços. Frios.
Sorriso selvagem.
- São os homens.
Ele olha para a escuridão.

11:58.
Estende-lhe a mão.
- Sonhos? Não os tenha. Deseje, apenas.

11:59.
Sente a noite tomar seu corpo.
- Sonhos se quebram, acabam, passam. Desejos permanecem, a luta persiste.

12:00.
Somem.

[Conto] Pagão (parte XIII)

Frustrado.

Havia lutado tanto, arriscado sua sanidade por isso?
Não.

Não consegue acreditar.

Atônito.

Olha para a parede da sua casa.
Vazia.

Lá fora as vozes. O zumbido.

Sente-se um animal enjaulado.

É um animal enjaulado.

Olham para ele de forma estranha. Com receio.

Quanto tempo isso tem durado?

Relógio.
06:00.

Bússola.
Norte.

Devia estar feliz.
Tinha que estar feliz.

Ele sempre quis isso.
Por que então?

Janela.

Olha.

Sombra.

Sombra?
Nunca mais as tinha visto. Não com as pessoas por perto.

Sorriso sarcástico.
Felicidade maligna.
Some.

Olha para cima.

-Deus...

Nada.

Levanta-se.

Sai.

[Conto] Pagão (parte XII)

Maravilhado.
Não pode acreditar no que seus olhos vêem.

Gente.
Gente!
Pessoas!
Vozes!
Rostos!

Chegara, enfim, em uma civilização no meio do vazio.
Tornara-se, enfim, parte do todo. Abandonara o nada.

Olhos nele.

Nu.

Sujo.

Ferido.

Cansado.

Faminto.

Julgam-no.
Deixam-o ficar.

Felicidade, afinal!

Sim, sim. Felicidade! Gente! Rostos!

Vestem-no.

Limpam-no.

Curam-no.

Lhe dão de comer e um lugar para morar.
Gente, enfim!

Sim. Ele está feliz.

Sim. Mais uma vez faz parte do todo.

Sim. O relógio começou a andar.

Sim. A bússola aponta para o norte.

00:01... ou 11:59?

sábado, 27 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte XI)

Era uma vez uma mosca.
Um dia ela caiu numa teia de aranha. Tinha certeza de que iria morrer, podia sentir o sopro da morte em suas asas.
A aranha sai de seu esconderijo. Oito patas, muitos olhos, mandíbulas famintas.
A mosca buscou algo para se salvar, em vão.
A aranha sentia-se vitoriosa. Movia-se o mais rápido que podia. Adorava moscas novas, especialmente as medrosas. Dava prazer em engoli-las. Dava prazer em sentir suas vidas indo embora.
A mosca via a sua predadora vindo para devorá-la enquanto tentava soltar-se. Desespero e esperança se misturavam enquanto ela encarava os muitos olhos da aranha. Olhos que diziam que sua vida tinha acabado, que já era tarde demais.
Ainda achava que poderia negociar com a aranha. Talvez se...
Mas já era tarde demais, a aranha arrancara a cabeça da mosca.

A esperança é a frustração essencial.

[Conto] Pagão (parte X)

Surdo.

O zumbido tomou sua audição.

Suas pernas fraquejam. Não come há dias.

Precisa chegar.
Precisa parar.

Treme.

Chora.

Não quer parar, quer chegar ao zumbido.
Precisa continuar.

Uma sombra passa por seu corpo frágil. Olhos mortiços. Orbitas escuras. Some.

Ele se levanta.

Músculos cansados. Não dorme há muito tempo.

Um passo.
Dois.
Três.

Cai.

Chora.

Grita.

O zumbido.

Desmaia.

Acorda.

O zumbido.

Não.
Silêncio.

Silêncio?
Não. Surdez.

Não.
Não?
Não!
Vozes.

Sim, sim. São vozes!

Levanta-se.
Não cai.

Anda em direção às vozes.

Finalmente achou alguem!
Esperança.

Vozes!
Aumenta a velocidade.
Mais.
Corre.

Vozes!
Um palhaço numa corda bamba.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte IX)

Para.

Já é tarde.

12:00.

Olha o caminho à frente.
Livre.
Quebrado.
Dolorido.

Seu pé está dormente devido à perda de sangue. Pedaços de asfalto formam uma palmilha ensanguentada.

O zumbido. Ele o está chamando.
Ele o atrai.

Segue.

O zumbido.
Já não apenas um som.

O zumbido.
Algo para seguir.

Uma sombra passa rente ao seu corpo, encarando-o.
Ele sente o frio.
Ele sente o vazio.
Some.

O que eram as sombras?
Não tinha como saber.
Talvez o zumbido soubesse.

Não sente mais suas pernas. Anda sem sentir.

Olha para a bússola. Nada. Morta como sempre.

Olha para o céu. Nada. Apenas um sol cinza.

Fecha os olhos.

O zumbido.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte VIII)

Dia.

Passou a noite transitando entre a vigília e o cochilo.

O zumbido.
O zumbido continua, sempre o mesmo som, sempre à mesma distancia.

Sai do carro.
12:00.
Bússola sempre morta.

Olha à sua frente.
Vazio.

Olha por onde veio.
Nada.

Sanidade rasgando. Precisa de alguem. Precisa de uma voz.

Mas ele tem o zumbido.

Segue em frente. Uma sombra acena da janela de um prédio. Some.
Não entende por que elas fazem isso. Nunca entendeu.

Seu corpo dói.

Está perdido.

Não.

É perdido.

Mas segue andando.

Asfalto quebrado rasgando pouco a pouco a sola dos seus pés.
Dor.
Sangue.
Mas continua.

Precisa achar um rosto.
Precisa de um olhar.

Fome.
Já se acostumou.
Já se conformou.

O zumbido.
Pelo ar. Pelo sol. Pelo céu. Pelo asfalto. Pelos prédios.

O zumbido.
Como queria que fossem vozes.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte VII)

Pôr do sol.

Será uma noite fria.

Ele anda por entre carros quebrados e sob o asfalto rachado da avenida.
Solitário.

Olha para o relógio.
12:00 horas.

Uma sombra sai de trás de um carro. Cabeça baixa. Negrume de alma. Some.

Sente frio, precisa de fogo. Precisa de pessoas.

Noite escura, estrelada. Negrume da vida.

Quer suas roupas de volta. Se arrepende de tê-las jogado fora.
Agora é tarde.

Escuridão.
Não enxerga quase nada. Negrume de corpo.

Continua andando. Vez ou outra sente a presença escura de alguma sombra, mas não se importa. As ignora.

Tenta olhar a bússola. Nada.

Tenta olhar o caminho. Nada.

Não vai mais pedir ajuda, não será ouvido.

De cima vem apenas o brilho das estrelas. Indiferença.

Esbarra em um carro grande, meio torto, mas útil para passar a noite.

Entra.

Dorme.

Acorda.

Noite.

12:00 horas.

Pesadelo?
Não.

Silêncio.
Silêncio?
Não.

Ele ouve algum barulho.
Algo que vem do escuro.

Parece um zumbido.

Zumbido baixo e irritante.
Zumbido longínquo.
Zumbido novo.

Ele ainda não pode sentir o cheiro da aranha.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte VI)

Continua andando.
Já não sabe quanto tempo se passou desde que saiu do apartamento vazio, só sabe que
seguiu sempre em frente.

O prédio lhe parece mais escuro a cada passo.

Sente que está ficando louco. Precisa de luz, precisa de comida.
Precisa de alguem.

Seus pés o arrastam por mais outro corredor de portas fechadas.

Sua mente sempre tentando se agarrar a qualquer indício de presença humana. Sem sucesso, ele está sozinho.

Não aguenta o silêncio, chora.

Olhos cheios de lágrimas, ele olha para a bússola.
Quebrada, apontando para o vazio.

Segue se arrastando, grito trancado na garganta, lágrimas cegando-lhe os olhos.

Levanta.

Para.

Corre.

Grita.

Escorrega.

Cai.

Olha.

Luz. Outra porta aberta.
Uma sombra está de pé olhando para ele. Sua superfície negra não reflete a luz, a absorve. Seus olhos mortiços não olham, vêem.

Ela entra no apartamento. Some.

Levanta-se e vai até a porta, dessa vez sem esperança.
Outra sala vazia.
Apenas um relógio de pulso no chão.

Relógio quebrado. Os ponteiros não se mechem, marca sempre 12:00.
Ele olha pela janela. Vê tudo (ou seria o nada?) que um dia lhe fora familiar.

Abaixa os olhos, chora.

Um barulho no corredor, uma porta se abre.
Anda, sem interesse, até o corredor. A porta do apartamento se fecha. A porta no fim do corredor se abre.

Luz.

Ele ainda não pode ver a teia.

[Conto] Pagão (parte V)

Eis que eu pergunto a vocês: e se houver uma quarta opção?

E se alguem quiser fugir das alternativas convencionais? Não ficar preso à três destinos pré-definidos?

O que essa pessoa faria?

O que essa pessoa seria?

O que essa pessoa sentiria?

Não há uma resposta objetiva.

Vivemos tão atrelados às opções que nos são dadas que não conseguimos nem imaginar o universo que existe fora das grades desses três caminhos. Não conseguimos nem imaginar qual seria essa quarta escolha...

Nos sentimos castrados psicologicamente, escravizados pelas morais, juízos e valores impostos que somos incapazes (na maioria dos casos) de perceber que nossa mente está aprisionada numa teia mental, tecida desde a antiguidade. Somos presas fáceis para a Aranha do senso comum, aquela que nos induz a assimilar apenas as três opções básicas, limitando nossa visão para qualquer outra manifestação de livre arbítrio.

Há, pois, maneiras de enxergar a Aranha. Às vezes ela se deixa muito a mostra e está ficando difícil para ela se esconder por trás da folha da inocência.

É, Dona Aranha, você comeu muitas moscas que cairam em sua rede e agora seu corpo cresceu mais do que você podia imaginar.

E você, leitor?

Quer ser mais uma mosca indefesa na teia?
Ou prefere encarar a Aranha nos olhos enquanto ainda há imaginação em sua cabeça (sim, pois ainda é possível expandir sua mente, mesmo com todos os limites impostos)?

[Conto] Pagão (parte IV)

Tudo escuro.

Está perdido dentro do prédio abandonado. Toda iluminação ficou do lado de fora, junto com o nada e o vazio que transbordam das ruas.

Não sabe se está perto de uma saída, não sabe se há pessoas ali dentro (provavelmente não, como no resto da cidade), mas continua seguindo em frente. Não há nada para que voltar.

Anda por mais um corredor de portas fechadas e vazias. Nada se move.
Começa a achar que deveria ter ficado na rua.
Começa a achar que deveria morrer.

Ele continua em frente por mais outro corredor vazio.
E mais outro.
E mais outro.

Não tem mais noção de nada, apenas segue em frente. Desnorteado, perdido, cego, surdo, mudo, calado, abandonado.
Mas não deve se esquecer de que foi ele quem abandonou.

Silêncio que explode em seu cérebro. Precisa urgentemente conversar.

Continua por mais um corredor e, para sua felicidade (ou não), vê que há uma porta aberta, levemente iluminada pelo clarão cinza do sol.

Seus batimentos aceleram, as pupilas contraem, o cérebro entra em curto.
- Alguem!
Corre, frenético, para o apartamento.

Decepção.

Não há ninguem, apenas uma janela aberta e uma mesinha de canto.

Imerso em raiva e angústia ele consegue perceber um pequeno objeto sob a superfície bem polida da mesinha.

Uma bússola.

Uma bússola quebrada. Ela não aponta para o norte, mas sim para o corpo dele.

Decide mantê-la. É algo para se apegar, pelo menos.

Sai do quarto e mergulha outra vez na escuridão do prédio, em busca de uma saida.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte III)

Ele acorda.

O sol cinza e frio que ilumina o mundo mostra o que sobrou da sua vida antiga, revela as cinzas de sua cidade.

Precisa de comida, precisa de água, precisa de alguem.

Suas roupas já gastas ainda guardam as memórias que lhe assombram. Despe-se.

Totalmente nu ele se levanta, tentando ver em que ponto da avenida ele tinha parado.

Ao longe uma sombra lhe acena e some. Todos somem.

O caminhão tombado continua lá, terá que se desviar da sua rota.

Mas... qual era a sua rota? Para onde estava indo? Não se lembra, não sabe.

Sente-se perdido, sozinho, faminto.

Deus não o ajuda, tapou os ouvidos para sua voz.

Uma sombra sai de um prédio à sua esquerda, lhe sorri com voracidade e some.

Ele anda para o prédio abandonado, ainda tem esperanças de encontrar alguem.

Ele ainda não pode ouvir o choro da humanidade.

[Conto] Pagão (parte II)

Tecnologia, consumo, dinheiro, lucro, bônus, ônus, pobreza, doença, loucura. Ah, vida moderna!

Quantos não perecem no percurso desse vôo letal que é a vida? Quantos não suportam o peso da sociedade nas costas?

Um homem hoje em dia tem três escolhas básicas: 1) Trabalhar e construir um império, perdendo sua vida; 2) Alienar-se com um populismo anti-capitalista e vazio, perdendo sua vida; ou 3) Libertar-se de pensamentos pré-fabricados, usar o cérebro e notar o mundo ao redor, perdendo todo o conforto mental oferecido pelas fábricas mentais. Qual a escolha certa? Qual a falsa amiga do ser humano?

O mundo é feito de muito mais coisas do que parece. Não falo de fatos sobrenaturais, anjos, demônios, deuses ou qualquer coisa desse tipo, mas sim de redes e tramas que moldam o rumo da sociedade mundial.

O que tocamos pode não ser tão palpável, o que pensamos pode não ser tão secreto, o que decidimos pode não ser escolha nossa.

[Conto] Pagão (parte I)

2:30.
Ele anda descalço pela avenida morta. Canta uma de suas músicas, sucessos alguns dias atrás, quando seu mundo ainda estava no lugar. Em seu bolso o canivete chacoalha de um lado para o outro.

2:35.
Ele vê uma sombra em pé olhando uma vitrine quebrada. Não mais toma susto com essas trivialidades, tem coisas mais importantes para se preocupar.

2:45.
A avenida acaba, um enorme caminhão tombado. Uma sombra passa vagarosa em sua frente, abre um sorriso escuro e some. Seus pés doem, precisa descansar. Sua mente grita, precisa conversar.

2:46.
Ele se senta no asfalto partido e chora.

2:47.
Ouve um murmurar baixo ao seu lado. Apenas mais uma sombra. Ele olha para o céu estrelado, incrivelmente bonito e desespera.
- Oh Deus, me ajude! Eu te imploro!
Mas apenas o silêncio voltou como resposta.

2:50.
Ele adormece.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Bagagem Mental

Todas as coisas boas passam rápido e deixam marcas inesquecíveis.
Muitos dizem: "Ah, como eu queria que o tempo voltasse, ou que tivesse durado mais..."
Eu digo: ainda bem que nenhuma dessas duas coisas acontece.
Voltar no tempo, além de ser impossível no presente estado da ciência, seria algo que poderia acabar com os bons momentos. Como assim? Símples, já saberiamos tudo o que iria acontecer, já saberíamos coisas das pessoas que da primeira vez não sabíamos e isso podia fazer com que tentássemos mudar alguma coisa que achamos não tão legal ou inútil, mas isso alteraria o rumo dos eventos, tornando o futuro mais uma vez incerto, provavelmente para pior.
Pedir para durar mais seria tornar o exótico [justamente o que destaca os bons momentos] em algo comum, rotineiro, consequentemente chato.
É verdade que bons momentos deixam saudades, mas é melhor que seja assim.

O Preço do Pato

O mundo dá voltas... Muitas e muitas voltas...
Quem diria que uma nação que estava à frente de todas as outras estaria, agora, a mercê das intempéries naturais?
Quem diria que o maior centro urbano e industrial do país ficaria debaixo d'água por mais de um mês?
É, meus amigos, cuidado com o que fazem, tudo tem um preço...

Nothing's free