sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Intercessão de Vazios

Sentou-se em sua mesa abarrotada de papéis e apostilas com um prato minguado de comida insossa e um copo de energético do lado. Sua mãe reclamava, mas era preciso estudar, sempre! Dormir? Quem precisa disso? Relaxar? Isso é coisa de vagabundo! Ele não pode se deleitar com essa coisa de massa, com essa coisa de homens medíocres, afinal ele é superior! (Na verdade, na mais pura e tocante verdade, ele sente inveja dos que chama de medíocres e se detesta por isso. Seus amigos nunca seriam tão fracos a ponto de gastar um segundo pensando neles. É preciso matar e sepultar essa vontade de mediocridade e, senão isso, pelo menos escondê-la dos outros.)
Engole o jantar raquítico com rapidez e bebe dois grandes goles do energético. Precisa ficar acordado, precisa estudar!
Sente-se um pouco zonzo, sabe que não vem entendendo coisa alguma do que falam na sala de aula, sua cabeça parece cheia de finas lâminas de chumbo. Mas não importa, deve ser a ausência de sustança na comida que vem ingerindo nos últimos tempos. O que de fato importa é estudar. Tem que resolver todas as questões das apostilas, tem que se manter afastado do medíocre, tem que ser superior, admirado. (É um macaco inseguro carente de atenção, um ser inferior.)
Estuda. Vira a noite entre apostilas, equações e fiapos de borracha.
Ao amanhecer ele para, levanta e olha pela janela. Deseja o mundo que passa por suas retinas, deseja o reconhecimento, prêmios, entrevistas. Estudar, sim, estudar. Só com o estudo ele poderá começar do topo e sair do buraco social (e, pensa sorrateiramente, existencial) em que está imerso. (Pobre e podre macaco.)

* * *


…sobe. Desce. Sobe. Desce.
- Ah... vai... mais fundo... vai..!
Sobe. Desce. Sobe. Desce.
Levanta.
Sobe. Desce. Sobe. Desce.
Tombo.
Riem.
Vai. Vem. Vai. Vem.
Vai, vem, vai, vem, vai, vem...
Levantam.
Beijo.
Beijos.
Encaixam-se.
Vai. Vem.
Vai, vem, vai, vem, vai, vem, vai, vem, vai...
Vai vem vai vem vai vem vai vem vai vem vai vem vai vem vai vem...!!!!!
Vaivemvaivemvaivemvaivemvaivemvaivemvaivem levanta sobedescesobedescesobedescesobedescesobedesce.......................!!!!!!!!!!
Param.
Silêncio
Olham-se.
Ela levanta, ele fica na cama, deitado. Recosta a cabeça no travesseiro, sorri. Conseguiu pegar e comer a menina mais gostosa do colégio, vai porra!
Ela volta, foi tomar banho.
Ambos se deitam. Ela dorme logo, ele fica rindo para o teto.
Com o tempo o riso se esvai, os olhos fecham, o sono vem.
Em sonhos ele some ante o peso do mundo, ele corre para saber que não saiu do lugar, ele come e se sente vazio.
Em sonhos ele vê o real. Na realidade ele vê o sonho. (Alheio à verdade mais um macaquinho dorme disturbado.)

* * *

Festa.
O som alto agradava seus ouvidos, muito embora sua expressão facial indicasse o contrário. Tinha que manter as aparências.
Estava sentada com suas amigas em algumas das poucas cadeiras desocupadas. Era festa de quinze anos de sua prima e todos se divertiam. Menos ela. Tinha que sustentar a imágem de boa moça.
A conversa ia enjoada, enojada. Queria mesmo era dançar, mas o que diriam se a vissem fazendo tudo que deseja? Não, não! Melhor ficar quieta no canto mesmo. Qué que tem demais aguentar algumas horas de conversa chata? Faz isso todos os dias de sua vida. Já se acostumou.
Enquanto suas amigas falavam ela se concentrava apenas no som alto, na música baixo-astral que ela condenava, em como ela lhe dava vontade de dançar, ficar e (“Deus me perdoe!”) de transar! Nossa, era um impulso muito forte!
Mas não. Não, não, não e não. Não vai ceder, uma hora a vontade passa.
Mas não passou.
Fim da festa.
Todos os convidados já tinham ido embora e ela se despedia da prima. Ainda sentia aquela chama queimando seu baixo ventre, precisava chegar em casa o mais rápido possível!
Não adiantou, a chama ainda queimava, a consumia por completo. Tinha medo de deixar transparecer nas feições a sua vontade, tinha de se esconder!
Banheiro.
Nua, se olha no espelho. Sente desejo. Olha para a mão. Se olha.
Deus me perdoe...!
("Amém", diz o Macaco.)

* * *

Segunda-feira, monotonia rotineira.
Um senta-se já com o módulo aberto, fingindo estudar, para chamar a atenção de seus colegas, quer que venham lhe pedir ajuda, quer ser superior.
Outro conta, numa roda de amigos, como foi comer aquela menina, sente-se invejado, sente-se, em suas palavras, O Foda. (Mas de sua cabeça não saem os pesadelos terríveis que vem tendo.)
Ela mais uma vez imerge em conversas sem nexo, sem cor, sem gosto, sem prazer. Vez ou outra olha para sua mão e lembra-se do que fez (com orgulho? Com remorso?), sente vontade de sexo.

Se perguntados, muitos diriam ver uma sala de aula completamente normal, com seus núcleos e panelas.

Se me perguntam eu digo o que vejo: um infinito de vazios, todo um universo de vidas artificiais se cruzando, fingindo viver, mas apenas sobrevivendo.

Eu vejo uma intercessão de vazios.

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