quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Aos politicamente corretos e afins.

É fim de ano.
É tempo de fazer planos, é tempo de prometer e lutar por mudanças.
É época de sonhar com um mundo melhor, de superar as injustiças do nosso cotidiano.
É tempo de refletir.
É tempo de meter o dedo nas feridas mais fechadas possíveis e fazer os operadores de sua cicatrização forçada e impositiva enxergarem suas ações do modo que enxergam as ações de pessoas que desaprovam.


De quem eu falo? Dos politicamente corretos, mas é claro!
Por onde começar...? Ah sim: pelo fato de que o politicamente correto é excludente e perverso. É a imposição das idéias de uma minoria que busca, dessa maneira, submeter o povo, inocente em sua ignorância intelectual, a um pensamento padrão, reduzindo a criatividade e seqüestrando o talento para, principalmente, a comédia e a música. Isso é uma atitude perversa que se compara, por que não, à técnicas nazistas de doutrinação ou à propaganda bélica estadunidense durante a guerra fria.
E que tal se falarmos da utilização desmedida de eufemismos e da adoração de pessoas que, muitas vezes em vida foram extremamente contrários aos ideais de todos os politicamente corretos (como o afamado Che Guevara)? E se juntarmos isso à uma “releitura” histórica que altera (suprimindo, adicionando, invertendo papéis) os eventos registrados na historiografia e, dessa maneira, justificam atitudes dos politicamente corretos?
Isso é um meio perverso de coerção social no qual o indivíduo popular está isento de participação nos processos de modelação da cultura vigente em seu tempo de vida. Isso é um absurdo das elites intelectuais que tentam estabelecer seu plano nefasto de empobrecimento da cultura popular em favor da exportação da cultura estadunidense-européia


Atacar outras correntes de pensamento com argumentos generalistas, comparando-os aos nazistas ou aos muy odiados americanos é algo que muito freqüentemente é utilizado em discursos politicamente corretos (que no geral tendem para inclinações políticas de esquerda), mas, quando se pára para analisar percebe-se o quão hipócritas tais palavras são, pois seus próprios enunciadores se utilizam dos métodos que acusam, se forem fazer uma autocrítica da mesma maneira que criticam raciocínios discordantes. Querem ver o pior? Isentam a entidade mítica "Povo" (que tal como o Governo, o Estado, o Capitalismo, não são palpáveis, são idéias fixas para pessoas mutáveis) de qualquer participação no processo de apoio ou repúdio às idéias, além de se intitularem como os "Guardiões" desse "Povo" tão ingênuo e bondoso.
Eu cuspo em tudo isso.

Não tenho nada mais a dizer.
Um bom réveillon e um feliz 2012.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Balada do Asfalto - Zeca Baleiro

Música de difícil compreensão, mas que apresenta toda a facilitada complexidade do mundo moderno.
Imersos em romantismos, filmes, novelas e propagandas seguimos sem perceber a falsidade e a fragilidade dos nossos costumes de senso-comum.





Me dê um beijo, meu amor
Só eu vejo o mundo com meus olhos
Me dê um beijo, meu amor
Hoje eu tenho cem anos, hoje eu tenho cem anos

E meu coração bate como um pandeiro num samba dobrado
Vou pisando asfalto entre os automóveis
Mesmo o mais sozinho nunca fica só
Sempre haverá um idiota ao redor

Me dê um beijo, meu amor
Os sinais estão fechados
E trago no bolso uns trocados pro café

E o futuro se anuncia num out-door luminoso
Luminoso o futuro se anuncia num out-door

Há tantos reclamos pelo céu
Quase tanto quanto nuvens
Um homem grave vende risos
A voz da noite se insinua
E aquele filme não sai da minha cabeça
E aquele filme não sai da minha cabeça

Rumino versos de um velho bardo
Parece fome o que eu sinto
Eu sinto como se eu seguisse os meus sapatos por aí
Eu sinto como se eu seguisse os meus sapatos por aí

Há alguns dias atrás vendi minha alma a um velho apache
Não é que eu ache que o mundo tenha salvação

Mas como diria o intrépido cowboy, fitando o bandido indócil
A alma é o segredo, a alma é o segredo
A alma é o segredo do negócio


http://www.vagalume.com.br/zeca-baleiro/balada-do-asfalto.html#ixzz1hZwxprb3

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O que de nós é

E então eu pergunto a vocês: qual a marca do ser humano?

Qual a característica primordial que nos faz uma espécie única, os dominadores dentre todos os animais, os criadores entre todas as criaturas, os violadores mais violentos, os revolucionários mais sonhadores, os criadores de ídolos absolutos e, por que não, os próprios ídolos?

Para alguns a resposta é a inteligência, para outros a consciência e para um grupo cada vez maior essa característica seria uma variação do instinto animal. Mas a resposta que anseio passa bastante longe dessas outras características marcantes da personalidade e, consequentemente, da civilização humana.

A resposta que quero ouvir é uma só: insatisfação.

Se nós fossemos acomodados e satisfeitos como um todo, podem crer que ainda viveríamos em cavernas e nos alimentaríamos de frutos caídos das árvores. Só caçamos porque o que encontramos deixou de ser suficiente, só saímos das cavernas porque elas deixaram de nos servir, só construímos barcos porque não agüentávamos mais ficar naquele mesmo lugar, só construímos cidades porque a aglomeração parecia melhor que o vazio e a tranqüilidade, só inventamos o dinheiro porque as trocas deixaram de ser precisas.

Somos seres em constante mudança, somos a personificação da insatisfação, servos da insaciável necessidade.

Através dessa nossa característica maravilhosa (ou demoníaca, segundo alguns) foi que as culturas se criaram, se mesclaram, se transformaram. A cultura é filha da insatisfação, mãe da inteligência e deusa da humanidade. A cultura é mágica por ser várias sob um mesmo nome. A cultura é sagrada por ter em si própria o antagonismo e carregar o gérmen de sua metamorfose.

Aonde quero chegar com isso? Pergunta interessantíssima também.

Não há como negar que vivemos num mundo globalizado, onde todos nos conectamos a uma entidade comum, e, portanto mesclamos nossas identidades. Nesse amálgama mundial as culturas se dissolvem, se remodelam e se tornam, gradativamente, uma só.

Temos o conforto do chuveiro elétrico, das camas quentes, do ar condicionado. Temos a satisfação do alimento, da sede, do sexo. Temos. Estamos transcendendo a insaciabilidade física e estamos nos moldando em uma só mente conjunta. Eis a solução. Eis o problema.

A entidade virtual serve como um alento para nossas inteligências frustradas, semi-abortadas, anãs, mal nutridas. A entidade virtual global sacia nossa sede de conhecimento com a ignorância.

Caminhamos para a estabilidade. Apesar das crises, apesar das guerras, a cada dia chegamos mais perto da estabilidade. A cada dia chegamos mais perto de um Admirável Mundo Novo.

A estabilidade sacia, a estabilidade amortece. A estabilidade mata a cultura.

Sorte nossa que não fomos feitos pra viver em estabilidade.

Para nós o certo é o 99, o 100 é um erro, um pecado e um sonho.

Apesar de ter pesadelos e visões terríveis do Tempo de Estabilidade eu tenho esperança na nossa capacidade de metamorfosear e recriar.

Na nossa capacidade de insaciar-nos continuamente.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Soneto do Que Nos Falta

Na verdade mesmo eu queria fazer um soneto
Bem simples assim, botar o branco no preto
E fazer de palavras bons ventos
Tirando daqui maus intentos

Mas como fazer um soneto
Se nesse mundo cinza, branco e preto
Sempre estamos atentos
Do aqui e agora somos detentos?

Falta-nos a fúria do mar
Falta-nos a paz da praia
Falta-nos encontrar a placidez do luar

Enche-nos a pressa
Enche-nos a informação
Enche-nos quase tudo, faltando apenas emoção

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Peças soltas de perguntas

A areia sob meus pés, o cheiro de sal, o céu azul, o barulho das ondas, o gosto de mar.
“Navegaremos os mares do sol”.

Essa paz, esse sonho de liberdade e calmaria. Que são eles?

Poderia haver paz se não houvesse guerra?
Poderia haver calmaria se não houvesse a pressa?
Poderia haver vida se não fosse a morte?
Poderia haver felicidade se não houvesse a tristeza?
Poderia haver riqueza se não fosse a pobreza?
Poderia haver a bondade se não fosse a maldade?
Poderia haver o nada?

Haveria sentido no sem sentido?

Haveria?
Há?

É.

sábado, 8 de outubro de 2011

Crônicas de Um Lugar Comum #10

Encerrando o primeiro ciclo de crônicas eu vos apresento uma heresia que, por si só, é contraditória. Obrigado aos que leram, parabéns aos que refletiram e felicidades aos que pensaram!
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Escrevia sobre o mundo.
Escrevia sobre tudo.
Escrevia sobre todos.
Menos sobre si próprio.

Escrevia sobre guerra.
Escrevia sobre paz.
Escrevia sobre ferida.
Menos sobre as suas.

Escrevia sobre festa.
Escrevia sobre tristeza.
Escrevia sobre faces.
Menos sobre seu perfil.

Escrevia sobre hipócritas
E sobre idealistas irreais
Escrevia sobre egoísmo
Sem nunca abandonar

Seus idealismos
Suas hipocrisias
Seus egoísmos

Sem nunca se abandonar.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #9

Abigobaldo gosta de queijo, mas seu amigo Eristófenes crê que abacaxi é melhor.
Um belo dia, durante uma conversa salutar, eles começam a discutir culinária e chegam ao ponto irredutível: Abigobaldo nunca abriria mão do queijo e das coisas que poderiam ser feitas com ele, enquanto Eristófenes defendia seus doces de abacaxi. A coisa de inflamou a tal ponto que ambos brigaram de vez e, cada um no seu canto, fundaram dois grupos: o de Abigobaldo voltado para todos os adoradores de queijo e o de Eristófenes para aqueles que partilhavam da cultura do abacaxi.

Anos passados, porém, o grupo criado por Eristófenes começa a perceber que o grupo dos que gostavam de queijo era significativamente maior que o deles, e, dessa forma, se sentiram prejudicados, já que os outros tinham maior espaço de divulgação e maior presença nos ambientes sociais. “Queijismo” foi o nome que deram à ideologia dominante e decidiram que, sob a bandeira libertadora do “Abacaxismo” essa situação hegemônica acabaria.

Mas enganaram-se aqueles que pensavam que Abigobaldo e seus seguidores ficariam quietos vendo toda essa mobilização. Ao perceber o risco que sua classe eles montaram uma estratégia de defesa: a cassação dos direitos dos adeptos do abacaixismo.

Preciso realmente dizer o que aconteceu?
Caos.
Muitos anos de luta armada, confrontos intermináveis e pilhas e mais pilhas de mortos amontoadas por todos os lados do país. Não havia lugar seguro. Tudo estava destruído, toda a cultura construída foi esmagada pelas pegadas dos queijistas e abacaxistas.

Trégua. Tratados de armistício.
O país se reconstrói, se reforma. Os dois grupos passam a coexistir pretensamente de maneira pacífica, mas conflitos esporádicos entre as alas mais radicais ainda são freqüentes.

Abigobaldo e Eristófenes agora estão velhos, esgotados e mutilados. O ódio pelos hábitos alimentares do outro suplantou até o amor pelos seus próprios. A luta perdeu o sentido, mas ainda persiste.

Nas câmaras parlamentares agora se fala de respeito mútuo, da declaração universal dos direitos alimentares, discursos muito bonitos, muito bem construídos, falas que emocionam os ouvintes. Tudo é lindo, cada um vive em seu mundo e a vida vai seguindo.
Até que surge Iorosvário com a seguinte proposta: nem queijos nem abacaxis, maçãs!

Considerando essa divergência das idéias comuns uma afronta, Abigobaldo e Eristófenes reatam sua amizade há muito perdida e decidem.............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ad eternum

domingo, 4 de setembro de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #8

Deus ex-machina*”.

Acordou. Teria ouvido algo?
O quarto estava silencioso, exceto pelo quase inaudível barulho do ar condicionado. Abriu os olhos e fitou o teto. Quando suas pálpebras estavam quase se fechando e o sono tomava seu corpo ele abriu os olhos no espanto de uma súbita lembrança.

“A reunião! Tenho a reunião às 8:00! Não posso me atrasar, tenho que saber se o Silva colocou todo o material no pen drive! O celular! Cadê a porra do celular!?”
Levantou-se, bateu o pé no cesto de lixo e xingou. Acendeu a luz e começou a revirar os bolsos de sua calça e do seu paletó. Nada. O desespero começou a tomar conta dele.
“Merda! Se eu não achar essa porra de celu...”. Sua mão encostou em algo quadrado com textura lisa. “Ahh, ótimo!”. Puxou o celular de dentro do bolso e, sem nem olhar para a tela, discou o número de seu colega. Após alguns segundos com o aparelho encostado na orelha estranhou não ouvir o clássico “tuuuu” de espera. Olhou então para o visor e, ao ver que não havia sinal de energia, arremessou o objeto contra a parede.

“Porra de celular! Que merda...! O computador!”
Correu para a sala, acendeu o abajur e moveu o mouse nervosamente até a tela se iluminar. Abriu a internet, entrou em seu email, digitou o que queria. “Mas... será que ele vai ler a mensagem antes da reunião? E se não ler? Preciso avisá-lo de maneira mais certa, preciso falar com ele! Mas... é melhor eu também mandar este e-mail.” Subiu o mouse para clicar no botão “enviar” mas, antes que pudesse fazê-lo, a energia acabou.

“Não acredito! Não, não pode ser!” Deu um murro no monitor, derrubando-o. Levantou-se bruscamente e correu ao telefone. Sem linha.
“Não, não, não, não! Isso não tá acontecendo! Não!” Pegou as chaves do carro e correu porta afora apenas para cair no negro abismo da não existência.

Acordou.
Seu coração palpitava, suas mãos tremiam. Havia dormido mais uma vez no escritório, o teclado estava empapado com uma mistura de saliva e suor.

“Mais uma vez... isso tem que parar...” Olhou em seu relógio de pulso e viu que eram duas horas da manhã. Precisava ter uma noite de gente.
Levantou, mas seu corpo despencou novamente na cadeira ao ver o que estava escrito na tela de seu monitor.

Deus ex-machina”.








*Termo que significa literalmente "Deus saído da máquina". É um instrumento dramático que era amplamente usado nas tragédias gregas, onde, não havendo resolução para os problemas expostos, uma divindade ou ser mitológico se apresentava e mudava místicamente os rumos da história.
No entanto, usei a expressão em seu significado literal.





terça-feira, 23 de agosto de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #7

“Bom dia a todos, eu sou Cláudia Marques especialista em direitos humanos e em representatividade de minorias.
Uma vez me perguntaram quem era eu, afinal. No momento fiquei paralisada, sem saber o que e como responder a aquela pessoa (um certo indivíduo com o qual mantinha freqüentes embates ideológicos) e mudei o foco da discussão, uma atitude de fuga, eu sei, mas fui surpreendida por essa pergunta vinda daquela pessoa. Mesmo assim a natureza do questionamento me intrigava: quem era eu? Qual o meu papel no mundo? Pois, caros colegas, eis que digo quem sou: um ser humano. Não um protótipo de, um ser que preda em seus semelhantes, que tem prazer em exceder os outros em algo. Sou uma pessoa que respeita os direitos e vontades de cada um, principalmente das minorias, tão descriminadas e tão vítimas desses Carcarás impiedosos! Sou uma pessoa que respeita a diversidade de idéias e dos diferentes meios de melhorar a sociedade corrupta e perversa em que vivemos!
E é justamente para tratar da melhoria da nossa sociedade que trago aqui...

[...]

... e dessa forma, unindo as pessoas e conscientizando-as da necessidade de uma mudança geral, podemos tornar a sociedade um lugar de respeito mútuo e livre de violências que originem todo sofrimento psíquico.
Claro que há aqueles que, por conta de uma mentalidade fortemente doutrinada não compreendem a realidade dos fatos e usam uma frase recorrente como forma de contestação: “Mas o sofrimento psíquico é parte integrante da vida como ser humano, temos de aprender a lidar com esses problemas”. Isso é algo inconcebível, inadmissível! Os sofrimentos psíquicos são os principais elementos para tudo de ruim e errado em nossa vida cotidiana. Uma pessoa que pensa dessa maneira certamente é um construto típico do capitalismo, que não vê outra forma de progresso senão a competição vil e maximizada. Bando de Carcarás, bando de rapinas! Predam nos fracos para ficarem mais fortes!
Talvez muitos de vocês aqui se perguntem qual o...

[...]

... e por fim gostaria de agradecer a todos vocês, que compareceram aqui esta noite, mas principalmente, gostaria de agradecer a sua lucidez e a sua pré-disposição a aceitar uma melhora, mesmo se feita de modo brusco.
Muito obrigada.”

Aplausos.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #6*

Olá, meu nome é Alex de Souza Gouveia. Nasci em 30 de Agosto de 2008 nesta cidade. Tenho 48 anos.

Minha infância foi muito boa, brincava bastante no meu videogame com meus dois amigos, o Thiago e o Sandro. Nos divertíamos dias a fio, passávamos tardes inteiras grudados na enorme TV led que tinha lá em casa. Às vezes eu ouvia dizerem no jornal que o direito das crianças e adolescentes estava sendo garantida com essa ou aquela medida, mas não entendia o que isso significava.

Na adolescência (ah, que saudade!) eu continuava com meu ciclo estrito de amizades, que agora contava com Daniela e Milla. Nós filávamos aula para ir assistir filmes 3D e passávamos a maior parte do tempo no computador, geralmente conversando. Nunca fui um aluno muito bom, sempre dormia nas aulas. Quer dizer, não só eu, né? Inclusive teve uma vez que, por causa disso um professor foi expulso em dois tempos do colégio. Sim, expulso! Por que? Ora, ele falou para um colega meu, Marcos, que dormir em sala era coisa de vagabundo descompromissado. Resultado? Um processo por calúnia e difamação, além de ter sido preso por seis meses pelo juizado de menores, acusado de causar experiências traumáticas no menino. Nessa época os pais já não podiam mais dar palmadas nos filhos, senão seriam presos.

Minha juventude foi difícil. Não consegui passar em curso algum de nenhuma faculdade boa. Meu pai teve que comprar meu gabarito na Federal. Comecei a cursar direito, sonhava em ser um grande advogado, mas fui jubilado no terceiro semestre... Dormia durante todas as aulas, quando ia à faculdade. Meus amigos? Thiago virou hippie e foi morar em uma aldeia. Seus pais morreram num sequestro meses depois. Sandro cursava faculdade de medicina e a vida ia bem pra ele. Daniela fugiu de casa aos dezoito anos e nunca mais foi vista, dizem que virou hippie também. Milla era minha namorada. Depois de passar dois anos parado em casa ela me deixou e foi fazer mestrado em Paris. Nunca mais a vi. Alguns meses depois tomei vergonha na cara e fui trabalhar na firma de meu pai. Lembro de ler na internet (acho que ainda tenho o papel impresso aqui) a afirmação do presidente da época sobre a Lei de Danos Mínimos à Juventude, que tornava pessoas abaixo dos 10 anos protegidas contra qualquer tipo de punição “As crianças não podem sofrer a repressão que sofrem dentro de casa. Quebrou um prato? Deixa quebrar outro, que mal faz?”.

Anos depois me casei com Camila, uma estagiária na firma de meu pai, que faleceu dez anos depois de câncer no fígado (bebia muito). Comigo no posto de presidente a firma foi a falência e fiquei desempregado por uns cinco anos. Nesse tempo nasceu meu filho, Alex Jr. Arrumei emprego de gerente num posto de gasolina, dinheiro pouco, mas não tinha que trabalhar muito, pelo menos. Camila trabalhava numa multinacional. Era ela que sustentava a casa. Thiago me telefonou uma vez, pedindo emprego na firma falida. A vida de hippie acabou mal. Seu filho morreu afogado na praia enquanto ele e a mulher fumavam a ervinha do mal. Soube que alguns meses depois ele se matou enforcado num poste da avenida principal da cidade... Como ele conseguiu ninguém sabe. Sandro se tornou um renomado cardiologista. Seu filho nasceu dois meses depois do meu.

Hoje estou aqui, sentado no meu escritório neste posto desgraçado. Peso 120 kg, estou impotente, milha atual mulher está se divorciando de mim e meu filho eu mal vejo. Sei que ele tem 19 anos, sai sem falar com ninguém, faz coisas erradas, não obedece nem vai ao colégio. Também queria o que? Estamos proibidos de educar nossos filhos! Sandro está em depressão. O filho dele bateu na avó e roubou o apartamento para comprar heroína. Como deixamos tudo assim? Como pudemos ser tão castrados pra deixar tudo ficar assim? O que foi que eu fiz? O que foi que fizeram comigo?
Espero que quem encontrar este arquivo em meu computador, junto a meu corpo gordo e morto, atenda ao meu pedido e o envie para as principais emissoras. Quero que saibam o estrago que causaram na juventude brasileira.


Grato
Alex Gouveia
Gerente











*Essa é a repostagem de um texto meu do ano passado. Revisei-o e achei que faria bem em colocá-lo neste grupo de pequenas crônicas.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #5

16 anos, cabelo comprido, roupas pretas, um cigarro entre os lábios, uma garrafa de vinho vagabundo na mão esquerda, a mão direita dentro do bolso, 30g de maconha na mochila.
- É isso aí porra! Rock’n Roll caralho! – gritou erguendo a garrafa plástica do vinho.
Estava no show de uma banda underground de sua cidade. Ao seu redor uma multidão de criaturas iguais a ele se empurrando, se batendo, trocando beijos, unindo sexos, dividindo drogas. “Esse é o paraíso...” pensa.
- Rock’n Roll! – gritou mais uma vez.
Ele gosta dessa vida despreocupada e ainda assim aproveitada ao maximo. Não é um retardado que nem os playboyzinhos de sua escola, não era um viadinho que nem os emos e os happy rockers... raças desgraçadas. Sempre quis enchê-los de porrada até não sobrar nada além de uma papa vermelha.
A raiva desses seres inferiores aflorou em seus punhos e se confundiu com o álcool em seu sangue. Entrou para uma rodinha de bate-cabeça e se perdeu na noite.

***

Sangrando, suado, bêbado e drogado ele chegou às sete horas da manhã em casa e, para sua infelicidade, deu de cara com sua mãe.
- Sua praga! Onde você estava? Olhe como você está! Eu tava preocupada, porra! Você sabe que eu odeio quando você faz iss...
- Ah, cala boca sua puta velha! Isso é Rock’n Roll!
Ele entrou em casa. A mãe ficou boquiaberta encarando a rua já movimentada. Onde havia errado? Onde?
Enquanto ela conjecturava sobre como aquele bebê risonho tinha se transformado no vagabundo maconheiro que era hoje, ele tomava um banho e limpava o sangue de seus punhos e rosto.
Às sete e meia da manhã ele colocou a cabeça no travesseiro e ficou ainda por alguns momentos encarando o teto branco de seu quarto. Ele era tão superior aos viadinhos e playboyzinhos... porra de escola! Que se foda! Fodam-se as regras, isso é rock’n roll!
Embalado por esses pensamentos auto-afirmativos ele dormiu.

***

Uma coisa que é bastante irônica: enquanto ele se acha superior aos que freqüentam a escola e tem uma vida normal, estes mesmos nutrem pensamentos idênticos em relação a ele.
Incrível como os opostos são tão iguais...

domingo, 10 de julho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #4

- Glória nosso Senhor Jesus Cristo, aleluia!
- Aleluia!
- Sai desse corpo demônio! Volta pro inferno que é teu lugar! Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo, aleluia!
- Aleluia! Sai demônio!
- Em nome do Deus vivo eu te expulso desse corpo, coisa ruim! Sai desse corpo!
- Sai desse corpo, aleluia!
Por dez longos minutos a cena foi a mesma: uma jovem por volta dos vinte e cinco anos debatia-se violentamente contra o piso do altar enquanto o pastor gritava comandos de expulsão para o demônio que a havia possuído enquanto os fieis repetiam com o mesmo fervor as ultimas palavras de cada frase do pastor. No fim, com um ultimo espasmo violento, a jovem permaneceu desacordada. Satisfeito e banhado de suor o pastor levantou as mãos para o teto do templo e exaltou os poderes do Senhor.

***

No ônibus:
- Menina, o que foi aquilo?! O Coisa Ruim não queria deixar aquela moça! É o fim dos tempos mesmo! Que Nosso Senhor tenha pena das almas dos que não crêem Nele...
- É Angélica... as coisas tão difíceis mesmo... por falar nisso, você se lembra da Cláudia?

***

No bar:
- ... você precisava só ver a cara dos crentes, Dé, foi hilário. No fim eu saí de lá toda ralada, mas com mil reais a mais na conta. Sabe que valeu a pena? O difícil é não dar risada...
- Drica, Drica... olhe lá pra não fazer disso um hábito. Você sabe como o meio artístico vê quem se rende a isso.
- É, eu to ligada... mas, porra, eu tenho que pagar minhas contas, né?
- Você que sabe. Como eu disse: só não faça disso um hábito.

***

Na cobertura:
- Ô Carlão rapaz, aquela menina interpreta bem paca, né?
- Porra meu velho, nem me fale, achei que você não fosse dar conta do recado! Dez minutos é muito tempo!
- Qué isso rapaz, tá esquecendo que eu sou expert nisso?
Risos.
- Verdade, verdade. Vai um vinhozinho?
- Não, não. Me vê um scotch aí.
- Beleza!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #3

Fim da palestra. Fim do discurso.
O aplaudiam de pé e os ecos das palmas enchiam seu espírito de certeza e confiança nessa nova geração. Agora conseguiriam mudar o país, acabar com a corrupção e acabar de vez com esse monopólio capitalista cruel e imperativo!
- Che está vivo! – gritou de punho erguido.
- Sempre vivo em nossos corações! – respondeu a platéia também de punhos erguidos.
É, a nação podia SIM ser salva desses tiranos capitalistas!
Como queria que seu filho estivesse ali, mas ele infelizmente havia sido cooptado pelas garras malignas do Tio Sam... mas enfim, não era hora de pensar nisso. Agora era o momento de sentir a glória das futuras conquistas.

***

- “Che está vivo”, pff, que piada... que piada SEM GRAÇA! – disse ele batendo com a mão na perna – Meu pai vive dizendo isso, acreditem. Ele queria que eu fosse um cordeirinho como ele e seu rebanho de maconheiros subversivos. Vocês acreditam que o primeiro livro que ele me deu pra ler foi O Manifesto Comunista? – Tragou profundamente o seu cigarro – É meus caros... é hora de agir contra isso. É hora de dar um basta nessa utopia caduca e carcomida. Vamos à luta! Sieg Heil! – fez a saudação honorária a seu mentor político.
- Sieg Heil, mein Führer! – responderam em uníssono.
Dentro de pouco uma fila de cabeças raspadas marchava em direção ao galpão isolado onde o grupo de socialistas se encontrava.

***

Ela corria desesperada de ambulância em ambulância querendo informações, querendo saber se seu marido e filho estavam bem. Por todo lado jovens ensangüentados, cabeças quebradas. Era uma cena de guerra.
Eles não estavam em lugar algum, só restava olhar no galpão.
- Que Deus me proteja. – orou baixo.
Entrando no galpão viu mais da cena de guerra lá fora. Rapazes desacordados ou semiconscientes sangrando e jogados ao chão. Num canto havia um grupo de policiais e paramédicos reunidos em volta de dois jovens. Chegou perto para ver se algum deles era seu filho, mas se deteve ao ouvir um policial falar “estão mortos, se esfaquearam”. Conseguiria ver o corpo frio da criatura a quem ela dera a vida? Não sabia, mas precisava saber.
Respirou fundo, esvaziou a cabeça de pensamentos e olhou.
Alívio. Não era sua cria.
De repente um grito forte veio de trás do galpão. Ela se assustou, conhecia essa voz. Correu para uma portinhola no outro lado da estrutura enferrujada e a cena que viu deixou-a paralisada por um sem número de minutos.
Seu filho estava de pé, mãos sujas de sangue, enquanto seu marido jazia ajoelhado, rosto coberto de hematomas. Agarrava o ventre com força e gemia. O jovem virou-se e viu a mãe. Abriu um sorriso e disse com alegria:
- Vê? Esse sonho dele é tão frágil... ainda bem que você não é assim mãe, ainda bem... eu gosto da senhora... mas ele? – olhou por sob os ombros pro pai ajoelhado – Ele merece a morte, assim como os seguidores dessa doutrina vermelha. – e gargalhou.
Sua perplexidade tornou-se raiva, sua raiva tornou-se pena. Chamou os policiais e mostrou-lhes a cena. Seu filho ainda ria insano e descontrolado, sem vínculo com a realidade imediata.
Os policiais sacaram as armas do coldre e lhe deram voz de prisão, mas ele tirou um revolver velho de dentro da jaqueta.
Seguiu-se uma sucessão de estampidos.
O jovem estava no chão. Sua vida escorria dos inúmeros furos em seu peito. Seu rosto congelou numa risada.
Ela chorou e correu ao encontro do marido e lhe beijou a face ferida.
Ele mostrou-lhe a faca cravada em sem abdômen.
Não parecia uma cena de guerra.
Era uma guerra.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #2

“Apartamento 2/4 e 3/4 num bairro fechado, espaço gourmet, academia, salão de jogos, garage band, parque aquático... tudo isso dentro de uma reserva de mata atlântica no novo centro da cidade, a cinco minutos da praia, ao lado do principal shopping da cidade.
Utopia Garden, você merece esse sonho!
Estande decorado no local.”

- Olha Beto, olha! Vamos morar lá, é um ótimo lugar para as crianças, sem violência, sem mendigos, só gente da nossa classe! Beto, você está me ouvindo? Sim, como ia dizendo olha, a uma das melhores escolas da cidade fica apenas a 100m de lá! Beto, com os nossos salários unidos e um bom financiamento nós podemos sair desse lugarzinho horrível aqui no centro. Lugar degradado! Nos tempos de nossos pais isso aqui era bairro de luxo, acredita? Mamãe teve que vender metade das jóias dela pra comprar esse apartamento... Mas enfim! Beto, você não está me ouvindo, não é? Hein? Beto?
- Hã? Sim, estou ouvindo. Clara, meu amor, depois discutimos isso, sim? Vamos ver isso com calma, afinal você sabe como são esses novos apartamentos, verdadeiras celas tecnológicas. Nosso apartamento aqui é muito bom, dos antigos! Muito grande e espa...
- Mas Beto, você não entende! Ontem mesmo eu quase esbarrei com um mendigo na calçada aí em frente! Foi horrível! Ele fedia e lhe faltavam os dentes da frente! Você quer que seus filhos cresçam vendo esse tipo de coisa? Quer? E a padaria do Seu Manoel? Só ano passado foi assaltada umas cinco vezes!
- Três vezes, Clara. Três vezes.
- Você não quer mesmo sair daqui não é? Você nunca faz nada que eu te peço, nunca! Você quer me arrastar pra uma vida medíocre nesse centro velho!
- (Ah meu Deus, começou...) Deixe de besteira! Você sabe que esse papinho de “novo centro” é só embromação. Acaso TODOS os serviços vão migrar pra lá também? Você pensa que...
- Roberto, olhe como você fala comigo! Eu não sou nenhuma criancinha de três anos não! Eu sei o que vejo e ouço! Todas as minhas amigas dizem que...
- Ahh... as amigas, claro, claro, elas sabem tudo não é? Ahh, esqueci, elas trabalham em que mesmo?
- Olhe aqui, eu já te falei pra não falar nada das minhas amigas! Você se lembra daquela vez que...
E assim mais uma família feliz constrói seu futuro na civilização.

***

Uma semana depois, Roberto está na casa do irmão e Clara voltou para a casa da mãe. Os filhos? Vivendo uma vidinha de plástico na casa da avó materna, em outro bairro fechado, onde as garras da realidade ainda não penetram. Ruim pra eles, quando saírem desse casulo cor de rosa vão ser piores crianças crescidas que sua mãe.

sábado, 18 de junho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #1

Caros leitores, resolvi começar a escrever uma série de crônicas que, quando completas, formarão uma teia de impressões e percepções da nossa realidade. Uns retratos tristes, outros cegamente felizes, outros fanáticos... nada muito diferente do nosso mundo.
Boa leitura e boas reflexões.

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A limusine saía com dificuldade do hotel.
Centenas (que mais pareciam milhares) de fãs comprimiam o automóvel, gritando e chorando histericamente, se esmagando para apenas terem o vislumbre do rosto de seu ídolo. Ele, na segurança de seu carro, se permitia somente olhar para os miseráveis se empurrando, uivando e vocalizando como animais lá fora.
- Rogério, - o motorista olhou pelo retrovisor – tente acelerar mais um pouco. – Olhou com desdém a multidão do outro lado do vidro fumê – Não quero perder meu vôo.
Imediatamente o ronco do motor se fez ouvir e quase simultaneamente os fãs recuaram alguns poucos passos. Tinham no rosto uma expressão de surpresa e desilusão.
“Por que ele tá fazendo isso?” quase todos se perguntaram, mas ficaram sem resposta. Gritos e uivos cessavam enquanto os faróis traseiros sumiam ao dobrar uma esquina.
Dentro do carro, ouvindo uma música de algum bom artista do passado, ele tirava do bolso um pequeno frasco contendo um pó branco.

***

Algumas horas depois, uma camareira encontrou, enquanto arrumava o quarto, um pequeno gravador enrolado em muitas camadas de papel higiênico amassado e sujo de sangue no lixo. Assustada, levou o objeto para a diretora do hotel, que, ao saber de onde e em que circunstâncias o gravador havia sido encontrado, ligou para sua filha, jornalista apagada de uma das tantas revistas sobre celebridades existentes. Juntas elas ouviram o que o artista havia gravado.

“Meu nome é Fernando Castro Fontes, mas me conhecem apenas pela máscara de NãDùh, nome que assumi quando mergulhei nessa proposta de enriquecimento e reconhecimento rápidos. Bem...” nesse momento um chiado muito forte tomava conta do áudio, e quando passou tudo que se podia escutar era um longo lamento choroso, sem palavras. Após alguns minutos a fita continuava “... e eu nunca poderia imaginar, acreditem, NUNCA, o quão... solitária, o quão difícil seria essa vida. Não tenho em quem confiar. Minha família e meus amigos estão sempre cheios de interesse, seu tom de voz exala malícia e cobiça...” um longo silêncio se segue, sendo interrompido por um barulho de metal atritando contra alguma superfície sólida e um sobressalto de dor. “Meus fãs? Aquelas antas sob duas pernas não sabem o tempo que estão perdendo. Mas, sabe, até que eles são felizes... eu os faço felizes, isso pelo menos diminui a minha dor... NÃO! Quem eu estou tentando enganar? Quem? QUEM?!” gritos explodem “Eu sou a criatura mais infeliz deste planeta. Não quero continuar fazendo isso, mas não quero perder tudo o que conseguiram para mim, não quero perder meu nome, meu prestígio..! Mas sei que vou perdê-lo, mais cedo ou mais tarde. Nada mais substituível que um ídolo de carne e osso... Sou um covarde. Sou uma porcaria. Meus anti-fãs é que estão certos, e pode apostar: se eu não fosse essa criatura deplorável eu também estaria em suas fileiras ajudando a xingar e a denegrir imbecis como eu. Mas infelizmente as ações deles são altamente previsíveis, são eles que muito mais ajudam a divulgar a mediocridade. Ah... não tem jeito, não tem jeito, não tem jeito, nãotemjeitonãotemjeitonãotemjeitonãotemjeito...” e assim seguem-se dois minutos de fita, até que um barulho distante de telefone interrompe a sucessão desregrada de palavras e lágrimas “merda, merda, merda! ME DEIXA EM PAZ, PORRA! A covardia chama e eu, como um de seus mais fiéis servos, atenderei. Adeus.”

Ambas estavam pasmas e radiantes. Essa seria a notícia do ano!
Pelo menos até o próximo mês.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Esse Velho Neo-Paganismo

Chamado catolicismo.

É sabido que muitas (senão todas) as datas festivas do cristianismo, como o natal, a páscoa e o carnaval, foram incorporadas de diversas religiões pré-existentes, com uma influência maior do paganismo romano, coisa que muitos católicos escondem ou mesmo desconhecem, mas que, por meio de estudos e novas traduções de textos milenares, estão vindo à luz.

Sempre achei engraçada a postura da Igreja.
"Não culutuarás outro Deus além de Mim" e aínda assim é controlada por um Ídolo de carne e osso: o Papa.

E a infinidade de santos existentes, cada dia sendo reservado pra um, e suas respectivas infinidades de templos erguidos em honra? Isso não seria análogo em todos os sentidos à infinidade de divindades romanas e seus respectivos templos?

Contra-argumento: "Mas os santos não sçao Deuses, são pessoas santas, que viveram na graça da Santa Igreja e que mesmo após a morte continuam nos ajudando! Sem falar que Deus é quem os comanda e os guia."

E daí eu digo: E Júpiter não seria o Rei dos Deuses? Não teria um imperativo sobre todos os outros?

Muda-se o nome e deforma-se o rosto, mas a essência continua a mesma.

Ateu? Não, obrigado.

Protestante? Não, obrigado.

Apenas não gosto dessa hipocrisia mentirosa, descarada e subjugadora.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A Menina das Listas

- Arrumar o quarto;
- Pintar as unhas;
- Ajeitar os livros;
- Ler o livro rosa; não, não, o azul; não, não, não, o vermelho! Isso, o vermelho!
- Assistir....

"Ahh, esquece!"

Mais uma vez ela começava uma lista. Mais uma vez não terminava.
Listas, listas, listas. Precisava delas pra se situar, mas oh, como eram simplistas, reducionistas, diretas!
Mas precisava se organizar!

Voltando ao trabalho:
- Arrumar o quarto;
- Pintar as unhas;
- Ajeitar os livros;
- Ler o livro rosa, DEPOIS o azul e SÓ ENTÃO o vermelho;
- Assistir o filme B, o filme D, o filme C, o filme...

"Não, não não!"

Sentou-se inconformada no sofá. Não conseguia terminar as listas. Precisava se organizar para só então organizar algo mais.
E ficou refletindo por um longo tempo em como se organizar, em como se harmonizar.
Até que, num estalo espontâneo, quando já estava quase desistindo de qualquer tipo de organização, descobriu o que e como fazer.

Armou-se com uma caneta e um papel, sentou-se a mesa e escreveu sua mais precisa lista. Finalmente!
Tinha certeza que agora tudo entraria nos eixos e ficaria tudo mais facil, para ela e para os outros.

Essa sua lista, a única que tinha certeza que cumpriria por completo, continha apenas um item, mas que resumia tudo o que tinha que fazer.

Escrita no papel estava apenas uma frase:
- Deixar o caos tomar o seu próprio rumo de organização e segui-lo. Fazer o que der vontade de fazer, na ordem que julgar ser melhor, da forma que julgar mais conveniente. Não seguir roteiros.

Satisfeita, levantou da cadeira e foi seguir a sua lei.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Nas palavras do Profeta:

"(...) Quando me cansei de acompanhar as eras dissolutas e me fartei de observar as procissões de povos entorpecidos, caminhei sozinho até o Vale da Sombra da Vida, onde o passado, cheio de culpa, tenta se esconder, e a alma do futuro se dobra e repousa por um tempo excessivo. Lá, à beira do Rio de Sangue e Lágrimas, que se arrasta como uma víbora venenosa e se contorce como os sonhos de um criminoso, ouvi o sussurro amedrontado dos fantasmas dos escravos e fiquei olhando para o nada.

Quando deu meia-noite e os espíritos emergiram dos esconderijos, vi um espectro cadavérico e moribundo caído de joelhos, olhando para a Lua. Aproximei-me dele e perguntei: "Qual o seu nome?".

"Meu nome é Liberdade", respondeu aquela sombra fantasmagórica de um cadáver.
Indaguei: "Onde estão seus filhos?".

E a Liberdade, chorosae fraca, soluçou: "Um morreu crucificado, o outro morreu louco, e o terceiro ainda não nasceu".

Ela se foi, mancando, sem parar de falar, mas a névoa em meus olhos e o choro em meu coração me impediram de ver ou de ouvir."

- Gibran Khalil Gibran, Temporais (também conhecido por Segredos do Coração), trecho do conto Escravidão.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

"Dizem que sou louco...

... por pensar assim..."

E digo: talvez realmente o seja, por que não?
Há muito que a loucura deixou de ser pejorativa para mim, afinal se ainda o fosse eu com certeza não teria este espaço, teria escrito tanto (e ainda assim tão pouco, me parece), refletiria sobre nosso rumo, nossos distúrbios e deficiências.

Só um louco se deixaria, em pleno século XXI, imergir em assuntos tão ultrapassados, tão demasiadamente humanos para a sociedade autômato-tecnológica que nos esmaga.

-Todos são felizes.

-Todos devem ser felizes

-Problemas? Fuja da realidade.

-Não há porque questionar a sociedade.

-Nós formamos um conjunto. A vida privada de nada serve.

Tais ideias formam a base do mundo descrito no livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, um dos meus livros preferidos.

Tais ideias também (tristemente) refletem a mentalidade condicionada da maioria das pessoas.

É por isso que me acham louco.
É por isso que eu (e outros poucos) somos REALMENTE loucos, poetas, espíritos livres.
Colocamos nossos óculos vermelhos e nos posicionamos frente ao sol.

Para todos somos como sombras. Criaturas macabras, insanas, aterradoras, mas eles esquecem (ou desconhecem) que muito mais macabro, insano e aterrador é o abismo para o qual caminham em marcha ré.

"Eu juro que é melhor não ser um normal..!"


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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mais um grito no vácuo

CHEGA!
Senilidade juvenil é a epidemia do momento.
"Troque o seu cérebro por amigos novinhos*!
Eles falam, riem, contam piadas, namoram e até organizam festas! (É isso mesmo!)
Você nunca estará só, sabe como é, para não refletir!

*Se por acaso seus amigos apresentarem defeitos (choro, ansiedade, tristeza e, principalmente, pensamentos reflexivos) é só se apresentar no nosso fantástico gabinete virtual e trocaremos todos para você!"

CHEGA!
As vidas ficaram tão sem graça, tão sem objetivo,tão, num paradoxo, claramente obscuras, que precisamos de métodos para fugir da realidade.

CHEGA!
Pessoas não são mais a essência, a atmosfera, a energia que emanam, mas sim o tênis, a camisa, o relógio, a pulseirinha do equilíbrio.

CHEGA!
Liberdade = promiscuidade.

CHEGA!
A felicidade agora é um conceito palpável, uniforme. Não mais depende da subjetividade de cada um. Aliás, o que é isso?

CHEGA!
Me recuso a imergir nesse Admirável Mundo Novo que o magnífico Aldous Huxley anteviu em suas obras.

CHEGA!
Sei que isso é apenas mais um grito no vácuo...


... mas com um certo número de gritos talvez nem mesmo o Vazio possa se fazer surdo.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Status: Online

"Ei, me add aí no facebook!"

Uma frase cada vez mais comum nos dias de hoje, onde a internet conecta todos a um suposto tudo. Esqueçam as etnias, línguas, a cultura e as classes econômicas, a nova maneira de dividir a sociedade agora é o acesso ou o não acesso à rede mundial de computadores.

"Ei, me segue no twitter!"

"Seguir". Muitas pessoas se sentem felizes ao ver na tela do computador aquelas 230.000 pessoas que leem (ou não) suas inúteis frases auto-expositoras. Que profético!

"Ei, faça uma pergunta no meu formspring!"

E isso?
As perguntas, dentre outras funções, servem para abrir algumas portas rumo ao núcleo subjetivo da pessoa. Qual seria, então, o sentido de DESEJAR que qualquer um te faça perguntas de qualquer natureza para que você possa responder?

Minha percepção é a de que estamos cada vez mais proximos da extinção da privacidade. O nosso desejo de reconhecimento e de admiração está nos forçando a andar além da linha do bom senso.
O twitter pra mim é o que há de mais nocivo à vida pessoal de um cidadão. O pior é que quem entra nesse samba de saia sem calcinha geralmente não percebe que sua individualidade está sendo gradativamente estuprada, até chegar ao ponto de, em algum caso, não haver mais barreiras para a auto-exposição, acontecendo dentro e fora da internet.
Queremos ser famosos. Nosso parâmetro de felicidade é a fama, o quanto a sua máscara social é conhecida e reconhecida pelos outros. Já que a grande maioria de nós não tem nada de extraordinário (ou não tem coragem de fazer algo extraordinário), a maneira mais socialmente aceita de conquistar a fama é através dos canais da internet. Daí é que surgem os NetFreaks, os Trolls e suas categorias adjacentes.
Para ser sincero este blog também é uma tentativa de projeção de minha parte, porém tento sempre me manter afastado do ridículo. Não tenho estômago para "freakisses". Meu objetivo principal com este espaço é tentar colocar um pouco de seriedade e reflexão nessas páginas tão desconexas, sem propósito. Se você me perguntasse se eu desejaria ser famoso provavelmente responderia que não, mas sim, eu quereria. É uma idéia-chiclete. Quando você a concebe instintivamente você procura atingir o objetivo final, mesmo que não se tenha consciência disso.

Como não ser afetado pela eminente perda de privacidade, tanto nos ambientes virtuais quanto nos reais?
Creio que não haja salvação.

Uma vez em contato com a Besta, sempre ligado à Besta.

terça-feira, 26 de abril de 2011

(In) Satisfação

Ele olhava, sisudo, a multidão de repórteres espremida sob as janelas daquele casarão suntuoso. Chovesse ou fizesse sol, de dia ou de noite, lá estavam eles, incansáveis, decididos.
Deixou-se cair em sua poltrona bordada a fios de ouro e deu um suspiro. Definitivamente isso o irritava. Era frustrante: seu filho, um bostinha de vinte e poucos anos, era mais respeitado e venerado que ele, homem feito de longas datas.
Ia esticar a mão para ligar a TV, mas desistiu antes mesmo de concluir o pensamento. Tudo sobre o que estavam falando era relacionado a seu filho e ao casamento. Os doces, os pratos, a festa, a cerimônia, a torta, a cor das flores, o padre, a careca do padre, a cor da cueca de seu filho, a cor da calcinha da noiva...
Ah, a noiva...
Recostou sua cabeça na poltrona e encarou o teto pensando na sua futura nora. Que lindos olhos, que pele branca... ah, que juventude... mas, mais uma vez, seu filho estava em seu caminho.
Quanto mais pensava na noiva de seu herdeiro mais sua calça ficava familiarmente apertada. Precisava aliviar a tensão.
Levantou-se, trancou a porta e fechou as cortinas. Em alguns momentos tudo voltaria ao normal. O controle seria seu novamente.
Mas quem tentava iludir? O controle nunca fora seu.

***

Ela dormia tranqüila em seu quarto até que um barulho a acordou.
Estava sozinha no quarto, tinha certeza, mas paradoxalmente também sabia que havia alguém lá com ela.
Abriu os olhos, sonolenta, e olhou em volta. Nada.
Levantou-se, foi até a imensa janela do quarto do hotel. Todos continuavam lá, não a deixariam em paz. Voltou, foi até o banheiro e olhou-se no espelho.
- Princesa...
Mas sabia que não haviam contos de fadas.
Decidiu voltar para continuar seu sono. A impressão da presença de mais alguém dentro do quarto já havia sido quase totalmente esquecida.
Quando estava quase dormindo o barulho se repetiu.
O coração começou a palpitar mais forte, a adrenalina lhe invadia o sangue e suor começou a se formar na sua planta dos pés.
Tinha mais alguém ali e estava de junto dela!
Outra vez o barulho se repetiu, um arfado meio abafado meio louco.
Sentia algo se aproximando de seu pescoço e imediatamente ficou paralisada.
A respiração do intruso era intensa e pesada, exprimia angústia e desejo insanos.
Ela sentiu o mundo rodar e então mergulhou num profundo breu.

***

Terminado seu serviço, o velho príncipe pegou um lenço e limpou as mãos, depois atiçou-o no incinerador.
Estava tranqüilo outra vez, mas não em paz. O semblante de sua nora o perseguia (quase tanto quanto ele a desejava), mas nada podia fazer, por enquanto, a respeito. Só lhe restava dormir e esperar que o dia desse cabo de suas angústias e desejos.
Ou da desejada.

5 Mitos da Realidade

Apesar de volta e meia aparecerem em um ou outro blog, não me abstenho de postar algumas das melhores e mais realistas frases que já li:

-"Familiaridade, o primeiro mito da realidade: Você observa menos o que conhece melhor."

-"Devoção, o segundo mito da realidade: Os crentes são mais feridos pelos objetos de sua fé."


-"Convicção, o terceiro mito da realidade: Somente aqueles que buscam a verdade podem ser enganados."

-"Companheirismo, o quarto mito da realidade: Conforme mudam as marés da guerra, mudam também as lealdades."

-"Verdade, o quinto mito da realidade: Toda verdade guarda a semente da traição."




Frases: Magic: The Gathering



terça-feira, 19 de abril de 2011

Turbilhão

Tenho tanto pra dizer
Mas sem conseguir escrever
É... É complicado

Nas revistas, na TV
Tanto lixo que se vê
Cave um buraco

E enterre suas lembranças
Suas angústias, confianças
Se disfarce de um sujeito comum

Satisfaça com matanças
E com infernos de crianças
Sacrifique sua mente e seja mais um

E com sua velha nova vida
Plastifique seu futuro
Soldado, avante!

Baioneta mundial
Sua finalidade é fatal
Intrigas e brigas

E esqueça suas lembranças
Supervalorize as confianças
Venda a sua alma a Belzebu

Satisfaça com crianças
E no inferno as matanças
Sacrificarão seu eu, profundo azul

Profundo azul
Clarão vital
Seu corpo nu

Os dias vão
É tudo igual
Pois é mais um

Mas se não for
Se insistir
Você verá

O quão banal
É o final
Dos sem lugar

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Térato Urbis

As suas veias são de asfalto
Suas artérias rodovias
O seu sangue é vermelho
Metálico, pintura automotiva

Os seus ossos são de aço
Sua carne de concreto
E os olhos são vitrais
De igrejas infernais

Seu sorriso-trincheira
Bem enterrado nos lábios-plástico
Esconde a língua-esteira
E a garganta-fornalha

Seu sexo é graúdo
Mostra-se grave
Mas esconde o seu agudo
Por detrás de um escudo

Térato Urbis...
Neo Hommo
Térato Urbis...
Diabolus Sancti

terça-feira, 5 de abril de 2011

quarta-feira, 30 de março de 2011

Um Relógio e um Anel.

A minha máscara não se mostra em meu rosto.
Meu rosto é de carne. É o mesmo com e sem a máscara.

Quando se fala na palavra "máscara" muitos pensam logo em falsidade, em algo ruim, nefasto, mas devo dizer que estão crônicamente errados.

Máscara é aquela coisa sem a qual nós não conseguiríamos viver em sociedade, pois não suportaríamos a exposição integral do nosso Eu-consciente. Para isso, toda vez que estamos na presença de outras pessoas ou em situações de observação encarnamos um personágem, que para os outros (e talvez até para você mesmo) mostre com sinceridade o que se passa em seu interior. Sua voz, seu olhar, suas falas, tudo isso faz parte de um script escrito por você mesmo, sem saber.

Isso não quer dizer que todos somos grandes mentirosos (muito embora o sejamos), mas apenas que todos temos um mínimo de amor próprio, que nos defendemos do mundo exterior e das outras criaturas hostís que nele habitam.

Quando disse que minha máscara não se encontrava em meu rosto alguns podem ter pensado "porra, lá vem mais uma metáfora", mas não. Digo isso literalmente.
Minha máscara é composta de dois elementos básicos: o relógio e o anel.
Sério, sem eles me sinto nu em locais públicos, vulnerável.

Junto com esses elementos vem todo um peso social: quem eu sou (ou pareço que sou), com quem falo, como falo, meu nome vem atrelado a eles, minha projeção está laçada nesses dois objetos.

Quem eu sou não sou eu.
Meu nome não me define.
Minha projeção não é real.

Nem a minha nem a de vocês. Sim, vocês também vestem, calçam, abotoam e carregam máscaras. Nunca perceberam?

Vocês não são o que acreditam que são.
Nenhum de nós é.

Parece loucura? Ora, por que não?
Num lugar onde as pessoas se castram mentalmente nada melhor que a insanidade para libertar as verdades e vontades encarceradas.

domingo, 27 de março de 2011

The Doors - People Are Strange

Pelo prazer e orgulho de ser estranho.

People are strange
When you're a stranger
Faces look ugly
When you're alone

Women seem wicked
When you're unwanted
Streets are uneven
When you're down

When you're strange
Faces come out of the rain
When you're strange
No one remembers your name
When you're strange
When you're strange
When you're strange

Tradução:


As pessoas são estranhas
Quando você é um estranho
Os rostos ficam feios
Quando você está só

As mulheres são malvadas
Quando não lhe querem
As ruas são irregulares
Quando você está triste

Quando você é um estranho
Rostos se formam na chuva
Quando você é um estranho
Ninguém lembra seu nome
Quando você é um estranho
Quando você é um estranho
Quando você é um estranho


Créditos: http://www.vagalume.com.br/the-doors/people-are-strange-traducao.html

quinta-feira, 24 de março de 2011

Crença, Credo, Creio. Fé, Faço, Falo.

Creio na veracidade do irreal
Na grossa voz do absurdo
Na pura intenção de um animal
Que, irracional, não atente ao apelo mudo

Creio no vazio das palavras
Na amplidão do pensamento
No desconcerto das almas
Que vivem a fragilidade do momento

Creio na vida ampliada
Vejo morte desejada
Por aqueles que não definem um final

Creio na mente cantada
Vejo surdez embalada
Pela voz dos mudos em instrumental.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Redenção (Reificação) *

"Peroai-me, mestre, pois fui infiel a ti!"
Assim pensava aquele louco prestes a se curar.

Ia lentamente se despindo da insanidade que, infelizmente, teve medo de vestir por completo.

Não era aquela vida que tinham almejado para ele. Não podia decepcionar os outros, o Mundo dependia dele e de suas ações. Deixar-se vestir pela loucura (que há tempos pedia para sair, mas que ele insistentemente mantia presa dentro da cela) seria se render a aquela vontade de abandonar os planos construídos encima dele.

Não. Não usaria aqueles óculos, não escutaria com seus ouvidos, não enxergaria com seus olhos nem sorriria com sua boca.

Não. Não conseguiu rasgar seus olhos sagrados.


Assim pensava aquele poeta em potencial, pronto para encerrar mais uma vez o seu destino nas grades da melancolia e mesmice:
"Perdoai-me, mestre, pois cogitei minha morte racional em detrimento de uma vida etérea!"

Traduzindo:
"Oh Grande Mundo, engula-me, faça de mim o seu servo, o seu objeto! Não sou uma mente livre, uma mente louca, sou são, perfeitamente são e estou aqui apenas para que possa me usar quando quiser. Me estupre, me use, me desgaste! Sou seu, não meu."



* Esse texto será melhor compreendido se lerem "É uma questão de qual óculos se usa..."

quarta-feira, 16 de março de 2011

É uma questão de qual óculos se usa...

... o de grau ou aquele outro, que sempre deixamos guardado na gaveta do esquecimento... dentro de uma caixa de medo chumboso, mas sem a existência do qual não podemos viver.

É uma questão de qual olho se escolhe.
Não adianta ter aquela vista perfeita, aquela pureza de linhas e relevos, se não houver aquele olho profano, aquele não se esolhe, mas que se é dado.

É uma questão de qual máscara se veste.
De nada adianta a mais colorida, a mais sorridente, a com aqueles grandes olhos azuis se, na verdade, a boca e os olhos ficam ao abrigo do sol, resguardados. A boa máscara é aquela feita de carne, renegada pelos homens éticos e de boa moral.

É uma questão de qual ouvido se tem.
"Oh, mas que grandes orelhas você tem!". Não são para ouvir melhor, são instrumentos máximos da surdez. Quem ouve é perigoso, quem e o que é perigoso deve ser evitado para o bem de todos.

Vê aquele lindo oceano bem em frente de nós?
Vê?
Não, não quero que veja, apenas. Quero que enxergue.
Não só que enxergue, mas que ouça seu som molhado e intenso.
Não só que ouça, mas que levante sua máscara de pele para o sol e olhe com seus olhos e sorria com sua boca.
Não só que se exponha, mas que peguem aqueles velhos óculos guardados há tanto tempo por vocês. Isso, isso... exponham também as suas lentes vermelhas ao sol.
Agora juntos arranquemos estes olhos sagrados e recebamos das mãos dos Deuses os olhos profanos, tão dígnos de nós.
Já notam uma diferença? Ah... mas vocês ainda não viram nada!
Lentamente elevemos esses velhos óculos aos nossos novos olhos.
Não temam! É sim algo assustador da primeira vez, mas o que não é? Só vocês podem terminar o que começaram.
E a medida que a luz passar pelas lentes e atingir seus olhos pensem: "estou livre!" mas saibam: ninguém é, de fato, livre. Todos vamos carregar para sempre esse bom fardo do Eu.

Como enxergam o oceano agora? Vermelho?
Não.

Enxergariam vermelho se tivessem se despido dos seus velhos olhos, ou se usassem os óculos de grau.

Vocês vêem mais.
Vocês agora vêem poesia.

Que olhos são esses?
São os olhos dos magos, dos bardos, dos profetas, dos amantes...

Que lentes são essas?
São as lentes da loucura, da paixão, da beleza, do oculto...

No final todos nós temos um pouco de Cristo e Satanás.

sábado, 12 de março de 2011

O Choro da Vida e a Alegria da Morte

"Morri.

Fazem poucas horas que um aneurisma cerebral me jogou para fora da vida pela saída de incêncio e digo que, sinceramente, a primeira grande revelação póstuma foi a que somos todos, quando vivos, um rebanho de egoístas sem igual.
Por que? Ora, por causa daquele chororô todo que segue um falecimento como uma maldição. Que direito tem os vivos de chorar a morte de outrem?
Nenhuma.
Digo com toda a claridade que minha condição de morto me permite afirmar: existe muito mais tristeza no nascimento que na morte.
Muitos de vocês desconsiderarão essas minhas alegações, e até entendo porque. Provavelmente se a situação fosse inversa eu também não acreditaria nem levaria a sério tais afirmações (é, eu era um cético de carteirinha). Me julguem louco, mas se lembrem que não posso mais sê-lo.
Enfim, querem saber por que lhes digo essa frase símples e que pouquíssimas pessoas (a grande maioria delas desequilibradas. Acreditam na coisa certa pelos motivos mais equivocados possíveis) compreendem?

O que é o nascimento? É o término do processo de construção dos mecanismos biológicos que possibilitarão o surgimento e a sobrevivência de um novo ser sobre a Terra, mas além disso, e muito mais importante, devo dizer, é o marco principal na vida de um indivíduo, o ponto onde se encerram todas as apostas e se parte pro jogo "na vera". É o inicio da escalada (e do posterior declínio) dessa nova pessoa.

O que é a morte? É justamente o ápice do declínio (paradoxal, hein?). É o fim de uma existência, que pode ter sido bem vivida, mal aproveitada, sufocada, estressada, corrida, rápida, etc.
A morte, quando do interrompimento brusco da escalada, é um susto, um memórial a tudo que poderia ter sido e não foi, mas a morte anunciada (característica do processo de declínio) nada mais é que o gradativo desligamento das funções vitais. Em ambos os casos o falecimento é o fim da brincadeira.

"Brincadeira"...

A vida não foi feita pra se brincar. Mesmo quando criança aquilo que caracterizamos por brincadeira é um treinamento, um estímulo para situações que mais tarde passaremos ou não. O pega-pega, os bonecos e suas aventuras mirabolantes, as brincadeiras "de luta", todas elas são mecanismos que treinam e vão adaptando as pessoas para ocasiões que podem vir metaforizadas no decorrer do processo de desenvolvimento. A vida, no sentido da peleja diária de todos vocês, é uma batalha interminável, um caminho deserto onde raramente surgem oásis fartos o suficiente para que matem a sede de alegria, de amor, de sexo, de companhia, exigências da existência como ser humano.
Onde estará a alegria no nascimento? O recém nascido não sabe, mas não importa o meio em que viva, o seu lugar social ou a nacionalidade, sua vida será árdua e raramente recompensadora (e isso vai ficando cada vez mais distante e difícil de ser alcançado), se não no meio físico no meio emocional/intelectual.

E é aí que está a graça da morte: a libertação. É tão bom estar livre do meio carnal, dessas celas de ossos e sangue que prendem e viciam!
A morte não é para ser chorada, não! Isso é uma atitude extremamente unilateral dos prisioneiros. A morte, sempre vista como uma travessia obscura e incerta pela civilização ocidental, é para ser festejada. Certos são os africanos.

A vida é triste, solitária e angustiante, mas sem ela não haveria o advento maravilhoso que é o morrer. Não o suicídio, outra prática egoísta e que repudio de corpo (?) e alma, mas o morrer naturalmente e mesmo o morrer infligido.

Vivam e deixem morrer."


Assim ele me disse.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Mito do Bom Amante

Depois de muito pensar, refletir e ponderar sobre a continuidade deste blog resolvi mantê-lo ativo para o bem geral da nação (e da minha sanidade). E é com este intuito que postarei esse texto sobre um fenômeno que sempre me deixou atônito por sua superficialidade e, paradoxalmente, pela profundidade que suas raízes atingiram no âmago da sociedade média contemporânea: O Mito do Bom Amante (ou A Lenda da Pessoa Certa, como preferirem).

Primeiro uma ilustração da expressão mais corriqueira dessa lenda:
Maria ouviu durante toda a sua infância contos e histórias sobre princesas que sofriam nas garras de bruxas más, dragões e madrastas e como sempre eram salvas pelo príncipe encantado, que com um golpe de sua nobre espada dava um jeito nos vilões e que com um (na verdade O) beijo levava a história pro caminho do "viveram felizes para sempre".
Passados alguns anos, agora adolescente, Maria vê filmes em que a mocinha, sempre tida como feia e desengonçada, resolve sua vida e dá a volta por cima ao encontrar o galã, que a mostra que o que importa é o que há por dentro e não o que os outros vêem ou pensam. Ela se encanta com essas histórias melosas, sempre repetitivas, e não entende por que nenhum de seus relacionamentos conseguiu atingir esse ápice de afeto e carinho, sempre terminando em desilusão para ela. Nenhum de seus príncipes a levou para o sonhado VFPS ("viveram felizes para sempre"), mas tem fé que um dia há de encontrar O homem ideal.
E assim se passam os dias, os meses, os anos. Maria, 28 anos, formada, bem sucedida e... virgem. Não por ser feia, desengonçada, sem graça, não, não, nada disso! É que ela ainda não encontrou o seu Príncipe (que agora chama apenas de Homem). Suas amigas e seus amigos vivem, em sua maioria vidas conjugais estáveis e relativamente felizes (isso, por sinal, é motivo para outro texto depois!) e não entende por que ela não pode ser igual. Maria, 28 anos, formada, bem sucedida, virgem, sexualmente e emocionalmente frustrada.
Maria, 85 anos, casada há 50, aposentada, dois filhos, infeliz, frustrada sexualmente e emocionalmente. Ainda busca seu Homem.
Maria, 86 anos, morta, depressão. Causa? Provavelmente seu terapeuta irá dizer 1001 razões, seu médico mais 2000, mas eu lhe digo uma e apenas uma: não atingiu o VFPS.

Depois dessa historinha aparentemente fictícia (quantas "Marias" não conhecemos?) e melancólica eu vos pergunto leitores: Por que essa fixação no VFPS? Por que, mesmo passando a vida inteira imersa em sombras, frustrações e auto-repreensões, Maria não se libertou dessa idéia implantada em sua mente quando ainda era apenas uma criança?
A resposta para essa pergunta pode ser usada também para solucionar enígmas seculares como o dos adeptos do socialismo/comunismo, o dos fanáticos religiosos, das práticas estéticas de rejuvenescimento... enfim, de quase todos os objetivos supremos.
É uma resposta que de tão símples foi transformada em obscena, nefanda: Por que é ideal, e dessa forma é algo inatingível na esfera humana.

Sim leitores, é só isso. Nada mais, nada menos.

E agora a lógica te faz indagar: por que não revelam isso logo de uma vez e acabam com essa praga que corrói as fracas almas medíocres?
Porque (e sinto uma tristeza profunda em dizer isso) mesmo que destrocemos esse mito outro, provavelmente pior, virá e se interrará nos confins obscuros do subconsciente, de onde quase nada poderá tirar.

Nós humanos somos assim. Nós próprios construimos a máquina de nossa vida e semeamos a fruta da auto-destruição.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Como Eu, Como Tu - Secos & Molhados




Eu, outro dia me lembrei de você,
Ouvindo uma canção que pudesse dizer
Como eu, como tu, como velhos tratantes
Como velhos amigos, como velhos perigos,
Como grandes amantes nos poucos instantes de amor

Eu, outro dia me esqueci lentamente,
Ouvindo a razão na palavra de ordem corrente
E que eu, e que tu, e que todos os passos,
E que todos os beijos, e que os longos abraços,
E que os longos desejos não caiam aos pedaços.

http://www.vagalume.com.br/secos-e-molhados/como-eu-como-tu.html#ixzz1EGrrNL6s

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Crash! Paf! BOOM!

Me achava um novo homem, mas todas as impressões desceram pelo ralo.
Já.
Vejo que sou o mesmo realista [pessimista, para algumas almas iludidas], irritante, abstrato, insistente, falastrão, repulsivo [para muitos], repulsor [de muitos] de sempre.
Ironia, não?
Logo quem se pronuncia veementemente contra a reprodução do "cinza" e se auto define "metamorfose constante" é incapaz de mudar seus parâmetros de existência, de abordar o mundo sobre um novo olhar, mais amplo, mais natural, mais etéreo.
Triste, mas verdade.
Também fiquei perplexo ao notar e aceitar isso.
Talvez todos sejamos cinza, apenas cada um à sua maneira.




Mas não seria esse ancoradouro cinza a essência de cada ser?
Não seria essa imutabilidade o que nos define como indivíduos?

Sou metamorfose constante dentro do meu universo paradoxalmente imutável.

Todos somos cinza, se olharmos pela essência imutável de cada um, mas nem todos somos máquinas de concreto.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Veritas Obscura Est

Verdade. Aquilo que todo homem quer ter, quer saber, quer encontrar.
Verdade. Aquilo que todo homem tem medo, se esconde, foge, morre.

Verdade. Aquela que liberta, alivia, encanta, recria.
Verdade. Aquela que aprisiona, angustia, desespera, destrói.

Verdade. Pedaço de luz na existência.
Verdade. Cárcere profundo e escuro.

Verdade. Paradoxo.
Verdade. Irrealidade.

Verdades...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Figura

Um rosto
Uma voz
Um corpo
Uma figura

O rosto
A voz
O corpo
A figura

As flores dizem o oposto
E árvores caem sós
Um cálice de seu sopro
É felicidade ou amargura

A natureza não segura
E chamas lambem o corpo
Dos olhos que bebem da foz
Da tristeza de um rosto

Figura...
Ah... Figura...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Contraste 4x4

Encima
Embaixo
Esquerda
Direita
Qual é qual?
Há algo real?




terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Eu só digo uma coisa:

No fim todos nós esperamos e queremos um clichê.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um dia me perguntaram...

Levantei a âncora e estou pronto para partir mais uma vez. As nuvens se abriram e o sol brilha denovo. Por incrível que pareça, a tempestade começou a abrandar não muito tempo atrás, a partir do momento em que uma criança de cinco anos me fez a seguinte pergunta: "Você não sabe sorrir não, é?".
Na hora não dei importância a essas palavras e as ignorei, mas por algum motivo elas continuaram impressas nas profundezas do meu cerebro, vindo a tona enquanto olhava o mar e proporcionando uma epifania assombrosa: eu não tinha motivos para sorrir de verdade, para ter o fantasma da felicidade seguindo meus passos.
O mundo, para mim, está uma merda, as pessoas [pelo menos a maioria] estão cada dia mais vazias e imbecis, a música está sendo gradativamente nivelada por baixo, a arte é ôca e os olhos estão cegos. Mas... e aí? Qué que eu posso fazer pra mudar isso? A vida real é pautada no desejo dos grandes e eu não chego nem na unha encravada do dedão podre de um desses Nephelins* onipotentes.
Fiquei horas a fio encarando o mar com esses pensamentos cavando o chão embaixo de mim, e foi então que a solução se mostrou mais símples e mais ao alcance do que eu jamais havia imaginado: vou viver a minha vida. Não vou mais me lamentar pela mediocridade [literal] do mundo, pela minha insignificância ou pela inferioridade mental daqueles que outrora chamei de babuínos, pois estes nada mais são que produtos do meio em que vivem.
Alguns podem encarar essas palavras como conformismo, desistência, viadagem ou qualquer termo semelhante, e eu sinceramente não ligo [como nunca liguei] pras coisas que disserem sobre e de mim, mas eu encaro esse meu novo olhar como um entendimento do mundo e da realidade [pelo menos aquelas que nós, loucos normais, enxergamos], sem as idealizações e os sonhos desgarrados que alimentei todo esse tempo.

Esse texto é conflitante com tudo o que eu disse até hoje, e ainda assim é análogo. Por isso faço das palavras de Vincent Furnier, vulgo Alice Cooper, as minhas:

"See my lonely life unfold
I see it everyday!
See my lonely mind explode
Since I've gone insane!"

(Ballad of Dwight Fry)

E com isso posso dizer que começo a reaprender a sorrir.

Agora deixe-me fazer uma pergunta: você consegue sorrir sem ironia, sarcasmo, raiva, histeria ou maldade?

Olhe o mar.

E deixe, pelo menos uma vez, sua mente falar sem a censura que você a impõe.




* Nephelins: Gigantes divinos que dominavam a terra antes do início das civilizações, segundo a Bíblia.