Ao soar da sirene as
portas da montadora se abriram para a troca de turnos. O sol começava a se
erguer por sobre a familiar camada de poluição que encobria maternalmente
aquela cidade. Dos ônibus desciam os trabalhadores que, como nos últimos anos,
vestiriam seus uniformes, operariam as prensas, soldas e moldes, teriam um
breve horário de almoço, voltariam aos seus postos, suariam, teriam cãibras,
dores nos olhos e costas, tomariam um rápido banho gelado, vestir-se-iam de
homens e iriam para suas casas na esperança de sexo, alimento, descanso e
dinheiro no fim do mês. Tudo perfeitamente dentro dos conformes.
Assim José vivia. Assim
tudo funcionava perfeitamente.
A manhã transcorreu na
mais perfeita monotonia: soldas, prensas, moldes e suor. O almoço teve o mesmo
gosto cinza de todos os outros almoços, com as mesmas conversas e as mesmas
pessoas. Corria tudo dentro dos conformes.
Até que no início da
tarde, enquanto José e seus companheiros de sempre se preparavam para voltar
pras posições, protelando ao máximo este evento inevitável, um silêncio súbito,
seguido por uivos raivosos (ou seriam alegres?) tomou conta do galpão. Confuso,
José ficou parado onde estava.
“As máquinas pararam!”
ouviu alguém dizer em uma plataforma mais à esquerda. Não entendia. Como era
possível todas as máquinas pararem ao mesmo tempo? Perguntou isso ao operário a
sua direita. “Não é.” foi a simples resposta que recebeu. Estava confuso.
Pela primeira vez em
muitos anos de trabalho, correu até o seu posto e tentou operar a solda. Nada. Pegou
o kit de manutenção e olhou os mecanismos em busca de alguma falha. Nada. Via
seus colegas fazendo o mesmo, também sem sucesso. “Talvez seja uma falha nos
comandos a fábrica” disse entre os dentes, meio ansioso para que fosse verdade,
mas desejando que fosse mentira. Odiava o trabalho que tinha, mas sem trabalho
não havia dinheiro e dinheiro era necessário para acalmar as ânsias da mulher,
par pagar a escola dos filhos e para relaxar no bar do Caçula no domingo...
portanto tinha que trabalhar!
Entre o burburinho e os
uivos esporádicos, os autofalantes da fábrica reproduziram a voz esganiçada do
diretor: “Atenção todos os operários! Pedimos que se mantenham calmos e
permaneçam em seus postos. Aparentemente estamos passando por dificuldades técnicas
nos comandos centrais da fábrica, porém dentro de pouco tudo estará resolvido
Agradecemos a cooperação de vocês”.
José sentou, esperou e,
em pouco tempo, cochilou.
***
Daniel estava ficando
louco. Havia três semanas que tentava, em vão, reprogramar e colocar todas as
máquinas da fábrica em funcionamento. Os diretores faziam pressão, mas não
havia nada que pudesse fazer, era como se as máquinas se recusassem a aceitar
os comandos. Três dos sete técnicos de sua equipe já haviam pedido a recisão do
contrato depois da notícia que algumas outras fábricas ao redor do mundo começaram
a parar sem razão, explicação ou qualquer defeito aparente. “Se nem a NASA sabe
o que está acontecendo você acha que nós, meros técnicos provincianos, vamos
conseguir consertar algo?” disse um deles após anunciar sua decisão.
Os prejuízos eram
enormes: por dia bilhões de dólares deixaram de circular em forma de mercadoria,
em uma semana um terço dos trabalhadores fabris tiveram de ser demitidos e os
outros tiveram o salário tremendamente reduzido. As balanças comerciais ao
redor do mundo estavam descompensadas, ninguém sabia mais o que fazer.
“Sabe de uma?” pensou
Daniel, “eles é que tem razão! Nunca vamos consertar isso.”. Levantou-se,
deixando todo seu material na sala de controle da fábrica vazia. Na noite só os
grilos faziam barulho. Foi até o seu carro e girou a chave na ignição: nada,
nem o mais rouco dos sons de partida.
O carro se recusava a
executar sua função.