sábado, 18 de junho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #1

Caros leitores, resolvi começar a escrever uma série de crônicas que, quando completas, formarão uma teia de impressões e percepções da nossa realidade. Uns retratos tristes, outros cegamente felizes, outros fanáticos... nada muito diferente do nosso mundo.
Boa leitura e boas reflexões.

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A limusine saía com dificuldade do hotel.
Centenas (que mais pareciam milhares) de fãs comprimiam o automóvel, gritando e chorando histericamente, se esmagando para apenas terem o vislumbre do rosto de seu ídolo. Ele, na segurança de seu carro, se permitia somente olhar para os miseráveis se empurrando, uivando e vocalizando como animais lá fora.
- Rogério, - o motorista olhou pelo retrovisor – tente acelerar mais um pouco. – Olhou com desdém a multidão do outro lado do vidro fumê – Não quero perder meu vôo.
Imediatamente o ronco do motor se fez ouvir e quase simultaneamente os fãs recuaram alguns poucos passos. Tinham no rosto uma expressão de surpresa e desilusão.
“Por que ele tá fazendo isso?” quase todos se perguntaram, mas ficaram sem resposta. Gritos e uivos cessavam enquanto os faróis traseiros sumiam ao dobrar uma esquina.
Dentro do carro, ouvindo uma música de algum bom artista do passado, ele tirava do bolso um pequeno frasco contendo um pó branco.

***

Algumas horas depois, uma camareira encontrou, enquanto arrumava o quarto, um pequeno gravador enrolado em muitas camadas de papel higiênico amassado e sujo de sangue no lixo. Assustada, levou o objeto para a diretora do hotel, que, ao saber de onde e em que circunstâncias o gravador havia sido encontrado, ligou para sua filha, jornalista apagada de uma das tantas revistas sobre celebridades existentes. Juntas elas ouviram o que o artista havia gravado.

“Meu nome é Fernando Castro Fontes, mas me conhecem apenas pela máscara de NãDùh, nome que assumi quando mergulhei nessa proposta de enriquecimento e reconhecimento rápidos. Bem...” nesse momento um chiado muito forte tomava conta do áudio, e quando passou tudo que se podia escutar era um longo lamento choroso, sem palavras. Após alguns minutos a fita continuava “... e eu nunca poderia imaginar, acreditem, NUNCA, o quão... solitária, o quão difícil seria essa vida. Não tenho em quem confiar. Minha família e meus amigos estão sempre cheios de interesse, seu tom de voz exala malícia e cobiça...” um longo silêncio se segue, sendo interrompido por um barulho de metal atritando contra alguma superfície sólida e um sobressalto de dor. “Meus fãs? Aquelas antas sob duas pernas não sabem o tempo que estão perdendo. Mas, sabe, até que eles são felizes... eu os faço felizes, isso pelo menos diminui a minha dor... NÃO! Quem eu estou tentando enganar? Quem? QUEM?!” gritos explodem “Eu sou a criatura mais infeliz deste planeta. Não quero continuar fazendo isso, mas não quero perder tudo o que conseguiram para mim, não quero perder meu nome, meu prestígio..! Mas sei que vou perdê-lo, mais cedo ou mais tarde. Nada mais substituível que um ídolo de carne e osso... Sou um covarde. Sou uma porcaria. Meus anti-fãs é que estão certos, e pode apostar: se eu não fosse essa criatura deplorável eu também estaria em suas fileiras ajudando a xingar e a denegrir imbecis como eu. Mas infelizmente as ações deles são altamente previsíveis, são eles que muito mais ajudam a divulgar a mediocridade. Ah... não tem jeito, não tem jeito, não tem jeito, nãotemjeitonãotemjeitonãotemjeitonãotemjeito...” e assim seguem-se dois minutos de fita, até que um barulho distante de telefone interrompe a sucessão desregrada de palavras e lágrimas “merda, merda, merda! ME DEIXA EM PAZ, PORRA! A covardia chama e eu, como um de seus mais fiéis servos, atenderei. Adeus.”

Ambas estavam pasmas e radiantes. Essa seria a notícia do ano!
Pelo menos até o próximo mês.

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