Ele corria. Sujo, ensanguentado, a ferida recém-cicatrizada em suas costas latejando, esfomeado, sem esperança. E ele corria.
As crianças o seguiam num misto de terror e fascinação, sem hesitar, sem olhar pra trás. Se tudo o que encontrariam seriam as mesmas certezas das cinzas, por que desviar o olhar do perigoso e incerto caminho adiante?
Tudo queimava, o ar feria os pulmões. Como tudo se deteriorou tão depressa?
Não havia mais cidades, não havia mais Estado, não havia mais civilização, mas ainda assim a guerra continuava. Era a incrível batalha para decidir quem morreria por ultimo.
Se ele não corresse com certeza não seria seu pequeno grupo. Tinha que achar algum abrigo em meio àquele terreno devastado e estéril. Fugiam há dias e a comida era mínima. Na primeira semana duas crianças morreram de cansaço e fome.
Foi surreal. Tudo é surreal.
Olhar para o passado e ver tudo se repetindo não exatamente da mesma maneira, mas com características bastante semelhantes. Foi como ler um livro e no dia seguinte perceber que aquilo não era apenas uma história, mas a realidade, mais objetiva do que jamais fora, palpável e palatável a qualquer um.
Um corvo bicando a carne podre de um imenso e global cadáver.
A noite se fundia com o dia, as chamas sempre ardendo, o céu sempre escuro, uma pintura de fumaça. De acordo com seu relógio seriam 4:30, mas da tarde ou da madrugada?
Andavam e andavam e andavam. Sob seus pés as cinzas, sobre suas cabeças a fumaça, ao seu redor as chamas, ultimo suspiro de um mundo que já fora criança. Suor, sangue e saliva se misturavam numa miscelânea de fluidos corporais.
Agora já não mais se nascia, apenas se morria.
Ainda podiam ser ouvidas bombas sendo detonadas aqui e ali. Continuação de algo que já perdeu todo o sentido há muito tempo.
Andavam, andavam e andavam, mas tudo o que encontravam era cinzas, fogo e fumaça.
Um comentário:
Manda ver! estamos acompanhando...
\o/ \o/
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