sexta-feira, 2 de março de 2012

Crônicas de uma Realidade: Realidade e Ficção

- Mas que coisa não? Parece que afinal eu estava certa! – disse a primeira figura, dando um passo adiante.

A silhueta que vinha atrás nada disse. Manteve-se no mesmo lugar.

- Vê? Ele não está mais aqui! E com certeza você ouviu as ultimas palavras que o outro disse. Vê? Vê?!

- Com certeza há uma explicação racional para isso, irmã. Você sabe que tal coisa é impossível. Você sabe que essa situação é algo digno de ser criação sua. – falou o espectro nas sombras das árvores. – Pelas minhas leis isso é impossível. E tenho dito.

- E pelas minhas leis nada é impossível! – contra argumentou a outra figura.

- Ah, Ficção... se ao menos você pudesse parar de pensar em fantasias...

- Ah, Realidade... se ao menos você parasse e lesse poesias... – disse Ficção andando até o ponto onde o Presente estivera em pé minutos atrás. – Não me olhe com essa cara. Você sabe que gosto de rimas.

A Realidade deu enfim um passo a frente e foi para junto de sua irmã.

Apesar de terem a mesma idade eram bastante diferentes.

Ficção era um mistério. Ela era um camaleão de formas e humores. Ora jovem, ora velha, ora bonita, ora feia. Podia estar feliz e ao mesmo tempo triste, no mesmo momento que te abraçava podia estrangulá-lo.

A Realidade assemelhava-se a uma senhora de meia idade. Fios brancos brotando de suas têmporas e rugas no canto dos olhos. Vivia uma vida regrada, destinada a sempre obedecer e impor suas inflexíveis leis. Vivia de fatos.

- Vê que há duas pegadas? Uma aqui onde o Tempo estava e outra ali, onde o velho que dizia também ser o Tempo apareceu. Que diz disso, Realidade? – indagou a Ficção.

- Digo o que já disse – respondeu a outra com desdém – deve haver uma explicação racional para isso.

- E esta seria...?

- Não sei. Ainda.

Silêncio.

Um trovão longínquo se fez ouvir. As nuvens desabariam em breve.

- Realidade...

- Shh! Preciso pensar!

- ... desista. Eu estou certa.

Realidade virou-se e encarou sua irmã.

- Já te disse varias vezes: isso é impossível. Se houvesse ocorrido o que você supõe neste exato momento estaríamos presenciando não apenas a quebra da minha principal lei, mas também a minha morte. – sua voz era monocórdia, exprimia todo o tédio de quem já explicou a mesma coisa várias vezes. - Não vejo que lei alguma foi quebrada, tampouco sinto-me doente.

- Mas como você pode ter a certeza de que suas leis e suas vontades são soberanas?

- Porque sempre foi assim. Sempre será assim. – respondeu com no mesmo tom, virando-se.

- Você realmente acha isso?

- Eu realmente SEI isso.

Realidade proferia essas palavras através de um véu de certezas. No fundo não conseguia compreender o que acontecera. Será que a irmã estava certa? Será que era possível que driblassem dessa forma as suas leis? Isso alteraria todo o plano da existência! Tinha apenas de evitar essa ansiedade, essa insegurança. Precisava pensar.

Outro trovão se fez ouvir. Dessa vez mais próximo. Incrivelmente próximo.

As folhas farfalhavam com a passagem tempestuosa do vento. As nuvens estavam caindo.

- Ficção... – Chamou Realidade.

Nada.

- Ficção..?

Vento, barulho de folhas, trovões.

- Fic... – as silabas morreram em sua boca ao sentir aquela mão segurando e arrancando seu coração.

Jatos de sangue respingaram na terra da clareira, nas árvores próximas e nos pilares. Alguém ria.

Ficção ria. Sua face transfigurada. Olhos flamejantes num rosto amaldiçoado.

Realidade olhava para as nuvens negras. Não podia morrer, isso seria destruir tudo o que já fora criado. Isso seria o fim. Seu, da esfera, dos pilares, do bosque, de tudo. Seria o fim.

Arfou várias e várias vezes em busca de ar. Sentia-se um peixe pescado. Mordia o vento em busca de palavras. Depois de alguns minutos lutando contra o inevitável percebeu a chegada de mais duas figuras à cena. Sua visão, porém, já estava se apagando e tudo o que pode perceber foi uma voz em seu ouvido dizendo “adeus”.

Nenhum comentário: