sábado, 12 de março de 2011

O Choro da Vida e a Alegria da Morte

"Morri.

Fazem poucas horas que um aneurisma cerebral me jogou para fora da vida pela saída de incêncio e digo que, sinceramente, a primeira grande revelação póstuma foi a que somos todos, quando vivos, um rebanho de egoístas sem igual.
Por que? Ora, por causa daquele chororô todo que segue um falecimento como uma maldição. Que direito tem os vivos de chorar a morte de outrem?
Nenhuma.
Digo com toda a claridade que minha condição de morto me permite afirmar: existe muito mais tristeza no nascimento que na morte.
Muitos de vocês desconsiderarão essas minhas alegações, e até entendo porque. Provavelmente se a situação fosse inversa eu também não acreditaria nem levaria a sério tais afirmações (é, eu era um cético de carteirinha). Me julguem louco, mas se lembrem que não posso mais sê-lo.
Enfim, querem saber por que lhes digo essa frase símples e que pouquíssimas pessoas (a grande maioria delas desequilibradas. Acreditam na coisa certa pelos motivos mais equivocados possíveis) compreendem?

O que é o nascimento? É o término do processo de construção dos mecanismos biológicos que possibilitarão o surgimento e a sobrevivência de um novo ser sobre a Terra, mas além disso, e muito mais importante, devo dizer, é o marco principal na vida de um indivíduo, o ponto onde se encerram todas as apostas e se parte pro jogo "na vera". É o inicio da escalada (e do posterior declínio) dessa nova pessoa.

O que é a morte? É justamente o ápice do declínio (paradoxal, hein?). É o fim de uma existência, que pode ter sido bem vivida, mal aproveitada, sufocada, estressada, corrida, rápida, etc.
A morte, quando do interrompimento brusco da escalada, é um susto, um memórial a tudo que poderia ter sido e não foi, mas a morte anunciada (característica do processo de declínio) nada mais é que o gradativo desligamento das funções vitais. Em ambos os casos o falecimento é o fim da brincadeira.

"Brincadeira"...

A vida não foi feita pra se brincar. Mesmo quando criança aquilo que caracterizamos por brincadeira é um treinamento, um estímulo para situações que mais tarde passaremos ou não. O pega-pega, os bonecos e suas aventuras mirabolantes, as brincadeiras "de luta", todas elas são mecanismos que treinam e vão adaptando as pessoas para ocasiões que podem vir metaforizadas no decorrer do processo de desenvolvimento. A vida, no sentido da peleja diária de todos vocês, é uma batalha interminável, um caminho deserto onde raramente surgem oásis fartos o suficiente para que matem a sede de alegria, de amor, de sexo, de companhia, exigências da existência como ser humano.
Onde estará a alegria no nascimento? O recém nascido não sabe, mas não importa o meio em que viva, o seu lugar social ou a nacionalidade, sua vida será árdua e raramente recompensadora (e isso vai ficando cada vez mais distante e difícil de ser alcançado), se não no meio físico no meio emocional/intelectual.

E é aí que está a graça da morte: a libertação. É tão bom estar livre do meio carnal, dessas celas de ossos e sangue que prendem e viciam!
A morte não é para ser chorada, não! Isso é uma atitude extremamente unilateral dos prisioneiros. A morte, sempre vista como uma travessia obscura e incerta pela civilização ocidental, é para ser festejada. Certos são os africanos.

A vida é triste, solitária e angustiante, mas sem ela não haveria o advento maravilhoso que é o morrer. Não o suicídio, outra prática egoísta e que repudio de corpo (?) e alma, mas o morrer naturalmente e mesmo o morrer infligido.

Vivam e deixem morrer."


Assim ele me disse.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse texto eh DUKA!!!
Tava buscando um versiculo biblico q fala algo parecido como "aliegria na morte do que no nascer" e entao encontrei esse texto primoroso. Curti :)

Gostaria mto de lembrar a senha do meu blogger pra curtir ou te add (faz tanto tempo q nao acesso q nem sei como eh q diz isso no Blogger. (y) Emiah Pio (to no face)