sábado, 8 de agosto de 2009

O Artista

Sentiu enorme alívio ao sair do helicóptero. Não só porque os lençóis o sufocavam, mas porque aquilo marcava a conclusão de um sonho. Finalmente, a liberdade.

Esse seria seu grande triunfo, sua grande surpresa para o público.

Nunca ninguém teria tido a audácia de fazer algo igual, será um sucesso! Ele não pode se conter de ansiedade, com certeza depois deste dia ele ficará imortalizado.

"Foi simples arrumar um atestado de óbito e mascarar a situação para enganar o mundo", pensa. Agora todos acham que ele está morto e que sua grande arte foi para o túmulo com ele. Talvez uma maldade, mas que justifica todo o sofrimento pelo qual passou, ou melhor, pelo qual o fizeram passar.

Assiste na televisão toda a comoção causada por sua morte e sente um júbilo maligno por isso, sente-se jovem outra vez, como nos seus bons tempos de sucesso. Não se importa com o sentimento dos fãs, aliás, que fãs? São sequer fãs? Abandonaram-no quando mais precisava, empurraram-no num poço de lodo, vício e difamação, acusaram-no de algo que nunca fizera. Derrubaram-no: de astro virou anjo caído.

"Não preciso do amor de pessoas assim, só do dinheiro e do remorso daqueles que me desgraçaram", ele fala, enquanto assiste, na TV, o mundo parar.

Quer que sintam dor, que sintam culpa; quer ver suas lágrimas, quer ver seu arrependimento, quer ver seus rostos repuxados em esgares de pesar. Acima de tudo, quer que esses sentimentos ajude a vender seus albuns que, por causa da sua queda do paraíso, desapareceram completamente das prateleiras do mercado musical. Uma senhora ironia: aquele mercado que durante anos foi nada mais que seu servo.

Deixa os devaneios e volta à TV. E eles choram e gritam e dançam e imitam e riem e rezam e aparecem e dançam e compram e choram e rezam e riem...

Eles alimentam o seu ego, o seu desejo de vingança, o seu raciocínio frio e suas expectativas. Seu enterro será um sucesso, seus familiares, culpados como todos os outros, farão o papel de mocinhos, de irmãos e filhos chocados e solidários. Esconderão de todos suas verdadeiras faces, seus dentes de sanguessuga e suas línguas bifurcadas, sempre procurando extorquir mais e mais dinheiro dele. Passarão como vítimas de um gênio lunático que acabou por se destruir sozinho em meio a cirurgias plásticas e injeções de analgésicos. Tentaram tomar seus bens, mas aí ele se revelará, aí ele mostrará a grande mente por trás do monstro.

Apresentará um show como nunca viram e, apesar de suas pernas há muito corroídas pela gangrena e dos anos que pesam nas costas, fará a melhor performance artística de sua carreira.

Será, em todos os sentidos, o seu retorno das trevas, seu renascimento.

Pagará suas dívidas, deserdará sua família, queimará os seus títulos e ascenderá novamente aos céus.

***


Eis que chega o grande dia. Preocupa-se com suas dores, mas a ansiedade definitivamente é maior que quaisquer outros sentimentos. Prepara seu banho, arruma-se.

Todo um ritual, como nos velhos tempos. Olha-se no espelho e reconhece os tempos áureos de alguns anos atrás.

Entra no caixão e embarca para sua ressurreição.

***


Enquanto se dirige ao funeral pensa em toda aquela contradição. A culpa lhe toma por alguns instantes, chegando, por alguns segundos, a se arrepender. A mensagem em suas músicas sempre foi positiva, e agora ele forjara a própria morte: um golpe de marketing perfeito e canalha. Enxuga as lágrimas. Percebe que, de certo modo, o direito de vingança lhe foi concedido.

O caixão é apertado, mas sabe que não demorará a sair de seu sepulcro. Em meio às lágrimas de seu antes tão amado público ele renascerá como uma fênix, ele escreverá um novo capítulo na história da música mundial, ficará sempre lembrado como O Imortal.

A música tensa começa, é agora que ele deve sair e respirar outra vez o ar dos palcos.

Força a tampa do caixão, inutilmente.

Sua respiração começa a ficar ofegante. Tenta se tranquilizar: “Não é nada, apenas colocaram muitos arranjos em cima da tampa”.

Tenta mais uma vez. A saída estremece, mas não abre.

Batimentos cardíacos acelerados, respiração ofegante. Tem medo de ficar preso no escuro, tem medo da morte.

Bate descontroladamente contra a tampa do caixão. Chuta, esmurra, grita, esperneia, ninguem o ajuda.

Sente uma dor lacerante em suas pernas: a carne gangrenada se rompera. O sangue macula a roupa, em seus olhos alucinados ele vê a vida que um dia tivera, grita o mais alto que sua voz pode alcançar e ainda assim ninguem o ouve. Suas mãos sangram, não sente suas pernas. Sua voz morre, e com ela o grande artista que fora um dia.







Um comentário:

MeNina disse...

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