Sentado na penumbra de
seu quarto, observava um ou outro carro passando pelo viaduto vazio que se
erguia diante de sua janela. A insônia sempre fora sua companheira de vida,
desde a infância. A insônia sempre lhe ajudara a ver o mundo como realmente
era, sem as pinturas dos dias ensolarados. A insônia sempre o fez ser superior
à maioria.
Estava tudo pronto. Ele
pacientemente esperava o romper do dia para, junto com seus camaradas, executar
mais um plano, dar mais um passo rumo à liberação.
Democracia? Não...
democracia não era uma opção para um mundo como esse. Nisso os dirigentes
haviam acertado, apenas não na natureza do regime.
Ditadura... sim,
ditadura! Poder para a base da pirâmide!
Mas ao mesmo tempo
sabiam que a massa não tinha competência para se governar. A massa é massa. A
massa é gado, peões de manobra, e eles saberiam se utilizar disso. Precisavam
de força, precisavam de vozes, precisavam de músculos, não de olhos, ouvidos ou
intelectos.
Os seus três camaradas
dormiam em colchões espalhados ao acaso pelo assoalho frio daquele apertado
apartamento alugado. No banheiro, as armas estavam empilhadas num canto, dentro
de uma sacola. Armas velhas e enferrujadas: dois revólveres, uma pistola dos
anos 40 e uma rústica submetralhadora, que roubaram do baú de recordações do
avô de um de seus colegas.
Ele apenas observava.
Se tudo desse certo sairiam ilesos, com mais armas e dinheiro, se não... morte
era o destino mais adequado. Melhor que apodrecer nos porões-masmorra...
Um de seus comparsas
acordou e, ainda sonolento, sugeriu que dormisse um pouco, que precisavam dele
no seu melhor estado para a investida do dia seguinte. Brusca e secamente
mandou-o calar a boca e voltar a dormir, sem sucesso. Da boca de seu camarada
saíam perguntas imbecis e incômodas, questionamentos sobre seus motivos, suas
filosofias, suas crenças, sua determinação... levantou-se, foi até ele,
respiração pesada, punhos cerrados, uma aguda irritação em seu peito por causa
da meditação interrompida, um rosto sereno, assustador. Parou diante do
inoportuno questionador e disse, num tom calmo, pontuando bem as palavras: “Por
meus objetivos, eu mataria minha família inteira”.
Depois disso nenhuma
palavra a mais foi proferida.
***
Tarde demais, tudo deu
errado.
Deitado de bruços no
concreto quente da calçada, com metade do rosto no sangue de seus companheiros
e balas em sua perna direita e ombro esquerdo, seu futuro parecia traçado: a
morte. Era preferível morrer, pelo bem da causa. Todos os outros haviam
morrido, só ele continuava vivo. Isso era injusto, mas também... também era uma
oportunidade! Ele não queria morrer tão jovem, quem poderia saber o que o
futuro lhe reservaria?
Em frações de segundos
tudo poderia ter acabado ali. Bastava um movimento rápido de seu braço direito
e “bam”, morto por movimentos bruscos. Mas ele optou por viver. Melhor seria se
fosse o único sobrevivente de um ato heroico, melhor ser ícone, líder!
Mãos fortes
agarraram-no pelos braços e seu ombro gritou a dor da carne, sangue ainda saía
dos locais atingidos. Estava tonto, provavelmente pela perda de sangue, mas
estava, apesar de tudo, satisfeito. “Matei meus camaradas, mas meu nome irá
permanecer entre os vivos!”.
Com um baque seco,
quando foi jogado no fundo da viatura, tudo escureceu, firmou os pés na terra
de Hipnos.