Um pálido raio de sol
passava por entre a fresta da persiana quebrada, denotando o dia nascente, a
vida pulsante em suas correntes de rotina, o dever, a obrigação. Dentro
daquelas paredes escuras, porém, nada disso poderia alcançá-lo.
“Este quarto é
inexpugnável!” costumava dizer para si próprio ao perceber que o planeta
completava mais uma volta em seu eixo. Naquele instante, porém, não percebia
nada a não ser a tela de seu computador e os seus dedos teclando furiosamente
nas letras de seu teclado. Por instantes tinha motivos para viver, interagir e
ser alguém.
Ao lado de sua cadeira
uma pilha de roupas sujas lhe fazia companhia. Cuecas da semana passada,
camisas das ultimas vezes que saiu. A cama tinha o lençol revolvido de muito
tempo e com manchas escuras de comida. Junto ao abajur um prato de lasanha meio
comida ia sendo digerida lentamente pelos fungos. O ventilador ligado agitava
aquele ar viçado, rançoso, de semanas sem banho ou limpeza, mas ele não se
incomodava. Não sentia nada quando era importante.
O nome Victor Almeida
Brancco pouco lhe dizia, foi o nome que lhe deram ao ser jogado nesse mundo
odiosamente real, era um nome que ele amaldiçoava de corpo, alma e intestinos, pois
lhe lembrava constantemente que não poderia escapar desse grande teatro de
carne. Porém quando se tornava XxxXvIpErXxxX nada lhe era impossível, nada lhe
atingia. Eventualmente conseguia ser alguém digno de nota.
Sua vida era um grande
simulacro, ele e seu computador eram uma entidade só. “Deus In Machina!” era
seu grito de guerra quando conseguia algo realmente digno de nota, como
conseguir mais de cinco respostas enfurecidas a um comentário desnecessário no
YouTube ou roubar conta de seu arquirrival
naquele jogo online. Ele se considerava supra-humano, uma entidade tecnológica,
um mito.
O raio de sol ficou mais
forte, mais fraco, sumiu. Ele continuava lá, sentado, suado, sujo, fedendo,
nervoso. Cochilou, nada mais de interessante havia na internet.
Em seus sonhos uma
multidão de mães vinham lhe trazer o sangue de seus filhos, um sem número de
mulheres lhe ofertavam seu sexo, um milhão de pais lhe ofertavam frutas,
dinheiro e suas filhas. “Deus in Machina”. Estava acima da vida e da morte,
estava acima da civilização.
De repente um clarão.
Suas persianas estavam
no chão, um sol amarelo e penetrante feria-lhe os olhos, uma silhueta lhe
gritava, sacudia e batia. Ele gritava de volta, num choro gemido inútil e sem
força. Ele era a merda, o lixo do mundo.
A conexão caiu.