sábado, 14 de julho de 2012

Simulacro


Um pálido raio de sol passava por entre a fresta da persiana quebrada, denotando o dia nascente, a vida pulsante em suas correntes de rotina, o dever, a obrigação. Dentro daquelas paredes escuras, porém, nada disso poderia alcançá-lo.

“Este quarto é inexpugnável!” costumava dizer para si próprio ao perceber que o planeta completava mais uma volta em seu eixo. Naquele instante, porém, não percebia nada a não ser a tela de seu computador e os seus dedos teclando furiosamente nas letras de seu teclado. Por instantes tinha motivos para viver, interagir e ser alguém.

Ao lado de sua cadeira uma pilha de roupas sujas lhe fazia companhia. Cuecas da semana passada, camisas das ultimas vezes que saiu. A cama tinha o lençol revolvido de muito tempo e com manchas escuras de comida. Junto ao abajur um prato de lasanha meio comida ia sendo digerida lentamente pelos fungos. O ventilador ligado agitava aquele ar viçado, rançoso, de semanas sem banho ou limpeza, mas ele não se incomodava. Não sentia nada quando era importante.

O nome Victor Almeida Brancco pouco lhe dizia, foi o nome que lhe deram ao ser jogado nesse mundo odiosamente real, era um nome que ele amaldiçoava de corpo, alma e intestinos, pois lhe lembrava constantemente que não poderia escapar desse grande teatro de carne. Porém quando se tornava XxxXvIpErXxxX nada lhe era impossível, nada lhe atingia. Eventualmente conseguia ser alguém digno de nota.

Sua vida era um grande simulacro, ele e seu computador eram uma entidade só. “Deus In Machina!” era seu grito de guerra quando conseguia algo realmente digno de nota, como conseguir mais de cinco respostas enfurecidas a um comentário desnecessário no YouTube ou roubar  conta de seu arquirrival naquele jogo online. Ele se considerava supra-humano, uma entidade tecnológica, um mito.

O raio de sol ficou mais forte, mais fraco, sumiu. Ele continuava lá, sentado, suado, sujo, fedendo, nervoso. Cochilou, nada mais de interessante havia na internet.

Em seus sonhos uma multidão de mães vinham lhe trazer o sangue de seus filhos, um sem número de mulheres lhe ofertavam seu sexo, um milhão de pais lhe ofertavam frutas, dinheiro e suas filhas. “Deus in Machina”. Estava acima da vida e da morte, estava acima da civilização.

De repente um clarão.

Suas persianas estavam no chão, um sol amarelo e penetrante feria-lhe os olhos, uma silhueta lhe gritava, sacudia e batia. Ele gritava de volta, num choro gemido inútil e sem força. Ele era a merda, o lixo do mundo.

A conexão caiu.