quinta-feira, 26 de abril de 2012

Crônicas de uma Realidade: Oblívio #2

- O... o que você fez?! – Indagou Passado em seu desespero juvenil. Ondas de uma energia estranha emanavam dos três ali presentes, percorrendo tudo sem esbarrar em nada.

O velho Futuro ainda segurava sua cabeça com aquelas mãos podres e fortes. Ao ouvir a indagação de seu eu jovem riu um riso fétido de escárnio em decomposição.

- Fiz nosso filho. – disse entre uma risada e outra. – Fiz o que deveria ter feito há muito. – sua boca ria, seus olhos não.

Presente, parado e agora também atordoado, observava e interagia com aquela cena. Seu corpo pulsava na mesma frequência dos outros dois. Tinha medo do velho e desprezava o jovem, este sendo suas memórias, aquele sendo o desconhecido. Um calafrio assaltou-lhe quando percebeu que a intensidade e a frequência das ondas aumentava.

- F-filho?! Nosso? Como? Me larga, velho! Some daqui! – O jovem patético tentava se desvencilhar das fortes mãos de morte, em vão.

- Nosso, meu, seu, dele... na verdade pouco ou nada importa. Fiz o filho do Tempo. – Disse o velho. – Agora vai, pode ir. - Largou a cabeça de Passado.

O jovem saiu correndo em direção aos pilares, única casa que conheceu, e se aninhou entre dois deles. De onde estava pôde ver o Futuro se dirigir ao outro Tempo e, após lhe tirar da apatia, apontar-lhe algo. Apontar-lhe o chão. Tremia com medo dos seus dois futuros e com o sua mudança brusca de presente. De repente notou o silêncio. Não haviam mais vozes em sua cabeça. Um alívio angustiado o tomou, mas foi cortado pela percepção de que havia mais alguém ali com eles.

Bem onde o velho havia apontado alguém estava de pé.

Oblívio.

Futuro andou em direção a ele e lhe beijou as mãos, os olhos em prantos. Murmurou:

- Acabe com tudo, por favor. É chegada a hora.

Oblívio o pôs de pé e enxugou suas lágrimas.

- Paciência, velho. Só mais um pouco.

O velho se afastou, meneando a cabeça afirmativamente. Em poucos segundos havia desaparecido mais uma vez e levado consigo os outros Tempos.

- Só mais um pouco.

Virou-se para os pilares e cumpriu seu papel.

domingo, 15 de abril de 2012

Crônicas de uma Realidade: Oblívio #1


Os pilares jaziam em parte estraçalhados no chão em parte em ruínas no centro da clareira. A era do não-Tempo havia chegado há muito e, mesmo quando o velho ainda estava presente sua força não era mais sentida.

A esfera, antes azulada, límpida, agora era uma massa de rocha, poeira e concreto. Cinza e amarela, um deserto da não existência. O resultado de uma insistência.

Realidade, Ficção, Utopia, Distopia, Verdade, Mentira, Vida e Morte choravam a queda do pilares. Esperavam pelo Fim, que não mais viria junto ao Início, mas sozinho em sua derradeira aparição naquele plano sem motivos para continuar existindo. E sua espera foi-lhes recompensada. Fim ali fez-se presente, integro em sua ausência de forma, tranquilo com a destruição inevitável.

Estendeu sua energia sobre os outros e preparou-se para finalizar toda existência, mas algo o conteve. Uma força nova naquele mundo de velhos, uma nova criação, uma existência mais forte e mais presente que o próprio Tempo, uma criatura com ares de criador, um destruidor movido por desígnios superiores.

Filho de uma brisa, Oblívio ali estava. Os rostos que a ele olhavam mostravam-se vazios de medo, desejosos do fim. Eram deuses sem poder.

- Reis e rainhas de uma esfera morta, vocês nada são. Vocês para o nada irão; o fim esperado por vocês pode ser nobre, porém inútil. Queixam-se do egoísmo do Tempo, mas agem da mesma maneira. Ignoram, por acaso, a existência dos outros planos? Ignoram o passado, em todas as suas variáveis? Ignoram as memórias, os pilares?! – Aproximou-se do Fim e tocou-o – Você, que através da destruição renova o que morreu, compreende qual a minha tarefa. – Virou-se para os outros – Vocês, que vivem egoístas existências duplas, não entenderão e provavelmente me amaldiçoarão. – Virou-se para as ruínas dos pilares – Mas o que deve ser feito será feito.

Os pilares inflamaram-se com uma luz ígnea e desfizeram-se em fuligem como se fossem feitos de carvão, deixando uma enorme cratera onde por eras estiveram os sustentáculos da esfera.

E num piscar de olhos a floresta, a clareira, a esfera e tudo o mais foi sugado para o centro daquele buraco.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Crônicas de uma Realidade: Dois Velhos Conhecidos

O sol pintava os pilares com tons alaranjados do crepúsculo. Uma brisa fresca e agradável passeava pelo bosque.

O Tempo observava com uma paciência infinita o sol se movimentando no firmamento. Haviam alguns meses que não conseguia dormir, que não conseguia ter um minuto sequer de descanso. Desde que aquelas vozes desconhecidas começaram a habitar sua cabeça sua vida havia mudado.

No início havia somente o silêncio e a contemplação, a certeza da existência plena e, de alguma forma, supunha, soberana. Não conseguia se lembrar de nada antes disso, mas sabia que existira desde sempre e existiria para sempre.

Até que, de maneira inesperada e violenta, uma torrente de vozes, pequenas formigas, invadiu seus pensamentos, suas ideias, sua vida, levando-o quase à loucura. Milhares, não, milhões de pequenas vozes indistintas que pareciam lhe perguntar: “quem é você? De onde vem? Para onde nos leva?”.

Ainda não conseguia descansar, não conseguia dormir. O peso da dúvida das pequenas vozes o mantinha preso ao chão, inerte na sua posição de contemplação infinita.

- Ora, pois que vemos um pequeno projeto de deus! Já tão cheio de pretensões, de conjecturas! Tão igualmente deslocado, desconhecido! – disse uma voz de velho atrás dele.

Com o susto, o pequeno Tempo, o Passado, deu um salto amedrontado. Como alguém ousa falar assim com ele? Haveria de exigir o devido respeito daquele desconhecido!

Mas não era um, eram dois. Suas sombras se alongavam, se encontravam e se estendiam até os pés do Passado. Seu olhar de terror era claro, se reconhecia naquelas duas figuras ali presentes. O Presente sentiu de repente uma estranha coceira dentro do crânio acompanhada de uma fala: “Quem são vocês? O que querem? Como chegaram aqui? Me deixem sozinho!”

- Quem são vocês? O que querem? Como chegaram aqui? – indagou o pequeno Passado. Deu dois passos acuados para trás - Me deixem sozinho!

Presente e Futuro, ao ver aquela cena patética, gargalharam. O primeiro como um tio fanfarrão, o segundo como um moribundo piadista. Não podiam deixar de rir ante aquela caricatura desengonçada, necessitada de autoafirmação.

- Quem são voc-

- Shh rapaz! – disse o velho.

- Olhe para nós e responda: o que somos? – disse o adulto.

Ambos já sabiam que, a essa altura, ele já os havia identificado, mas sabiam também, ou melhor, lembravam, que ele negaria seu conhecimento, que tentaria, de alguma forma expulsá-los de lá, de seu presente, do passado deles.

- Não os conheço, não os reconheço. – virou-se – Vão embora!

Futuro andou em direção àquela figura jovem e insegura, atormentada por milhões de vozes em sua cabeça. Passado, de costas para suas faces mais velhas, só percebeu a aproximação do Futuro quando este já o agarrava pela cabeça com suas mãos decadentes, mas fortes.

- Olhe! – e, de maneira inesperada, o novo cedeu ao velho e então aconteceu.

O encontro dos três Tempos, o chamado do oblívio.