quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O que de nós é

E então eu pergunto a vocês: qual a marca do ser humano?

Qual a característica primordial que nos faz uma espécie única, os dominadores dentre todos os animais, os criadores entre todas as criaturas, os violadores mais violentos, os revolucionários mais sonhadores, os criadores de ídolos absolutos e, por que não, os próprios ídolos?

Para alguns a resposta é a inteligência, para outros a consciência e para um grupo cada vez maior essa característica seria uma variação do instinto animal. Mas a resposta que anseio passa bastante longe dessas outras características marcantes da personalidade e, consequentemente, da civilização humana.

A resposta que quero ouvir é uma só: insatisfação.

Se nós fossemos acomodados e satisfeitos como um todo, podem crer que ainda viveríamos em cavernas e nos alimentaríamos de frutos caídos das árvores. Só caçamos porque o que encontramos deixou de ser suficiente, só saímos das cavernas porque elas deixaram de nos servir, só construímos barcos porque não agüentávamos mais ficar naquele mesmo lugar, só construímos cidades porque a aglomeração parecia melhor que o vazio e a tranqüilidade, só inventamos o dinheiro porque as trocas deixaram de ser precisas.

Somos seres em constante mudança, somos a personificação da insatisfação, servos da insaciável necessidade.

Através dessa nossa característica maravilhosa (ou demoníaca, segundo alguns) foi que as culturas se criaram, se mesclaram, se transformaram. A cultura é filha da insatisfação, mãe da inteligência e deusa da humanidade. A cultura é mágica por ser várias sob um mesmo nome. A cultura é sagrada por ter em si própria o antagonismo e carregar o gérmen de sua metamorfose.

Aonde quero chegar com isso? Pergunta interessantíssima também.

Não há como negar que vivemos num mundo globalizado, onde todos nos conectamos a uma entidade comum, e, portanto mesclamos nossas identidades. Nesse amálgama mundial as culturas se dissolvem, se remodelam e se tornam, gradativamente, uma só.

Temos o conforto do chuveiro elétrico, das camas quentes, do ar condicionado. Temos a satisfação do alimento, da sede, do sexo. Temos. Estamos transcendendo a insaciabilidade física e estamos nos moldando em uma só mente conjunta. Eis a solução. Eis o problema.

A entidade virtual serve como um alento para nossas inteligências frustradas, semi-abortadas, anãs, mal nutridas. A entidade virtual global sacia nossa sede de conhecimento com a ignorância.

Caminhamos para a estabilidade. Apesar das crises, apesar das guerras, a cada dia chegamos mais perto da estabilidade. A cada dia chegamos mais perto de um Admirável Mundo Novo.

A estabilidade sacia, a estabilidade amortece. A estabilidade mata a cultura.

Sorte nossa que não fomos feitos pra viver em estabilidade.

Para nós o certo é o 99, o 100 é um erro, um pecado e um sonho.

Apesar de ter pesadelos e visões terríveis do Tempo de Estabilidade eu tenho esperança na nossa capacidade de metamorfosear e recriar.

Na nossa capacidade de insaciar-nos continuamente.