quarta-feira, 27 de julho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #6*

Olá, meu nome é Alex de Souza Gouveia. Nasci em 30 de Agosto de 2008 nesta cidade. Tenho 48 anos.

Minha infância foi muito boa, brincava bastante no meu videogame com meus dois amigos, o Thiago e o Sandro. Nos divertíamos dias a fio, passávamos tardes inteiras grudados na enorme TV led que tinha lá em casa. Às vezes eu ouvia dizerem no jornal que o direito das crianças e adolescentes estava sendo garantida com essa ou aquela medida, mas não entendia o que isso significava.

Na adolescência (ah, que saudade!) eu continuava com meu ciclo estrito de amizades, que agora contava com Daniela e Milla. Nós filávamos aula para ir assistir filmes 3D e passávamos a maior parte do tempo no computador, geralmente conversando. Nunca fui um aluno muito bom, sempre dormia nas aulas. Quer dizer, não só eu, né? Inclusive teve uma vez que, por causa disso um professor foi expulso em dois tempos do colégio. Sim, expulso! Por que? Ora, ele falou para um colega meu, Marcos, que dormir em sala era coisa de vagabundo descompromissado. Resultado? Um processo por calúnia e difamação, além de ter sido preso por seis meses pelo juizado de menores, acusado de causar experiências traumáticas no menino. Nessa época os pais já não podiam mais dar palmadas nos filhos, senão seriam presos.

Minha juventude foi difícil. Não consegui passar em curso algum de nenhuma faculdade boa. Meu pai teve que comprar meu gabarito na Federal. Comecei a cursar direito, sonhava em ser um grande advogado, mas fui jubilado no terceiro semestre... Dormia durante todas as aulas, quando ia à faculdade. Meus amigos? Thiago virou hippie e foi morar em uma aldeia. Seus pais morreram num sequestro meses depois. Sandro cursava faculdade de medicina e a vida ia bem pra ele. Daniela fugiu de casa aos dezoito anos e nunca mais foi vista, dizem que virou hippie também. Milla era minha namorada. Depois de passar dois anos parado em casa ela me deixou e foi fazer mestrado em Paris. Nunca mais a vi. Alguns meses depois tomei vergonha na cara e fui trabalhar na firma de meu pai. Lembro de ler na internet (acho que ainda tenho o papel impresso aqui) a afirmação do presidente da época sobre a Lei de Danos Mínimos à Juventude, que tornava pessoas abaixo dos 10 anos protegidas contra qualquer tipo de punição “As crianças não podem sofrer a repressão que sofrem dentro de casa. Quebrou um prato? Deixa quebrar outro, que mal faz?”.

Anos depois me casei com Camila, uma estagiária na firma de meu pai, que faleceu dez anos depois de câncer no fígado (bebia muito). Comigo no posto de presidente a firma foi a falência e fiquei desempregado por uns cinco anos. Nesse tempo nasceu meu filho, Alex Jr. Arrumei emprego de gerente num posto de gasolina, dinheiro pouco, mas não tinha que trabalhar muito, pelo menos. Camila trabalhava numa multinacional. Era ela que sustentava a casa. Thiago me telefonou uma vez, pedindo emprego na firma falida. A vida de hippie acabou mal. Seu filho morreu afogado na praia enquanto ele e a mulher fumavam a ervinha do mal. Soube que alguns meses depois ele se matou enforcado num poste da avenida principal da cidade... Como ele conseguiu ninguém sabe. Sandro se tornou um renomado cardiologista. Seu filho nasceu dois meses depois do meu.

Hoje estou aqui, sentado no meu escritório neste posto desgraçado. Peso 120 kg, estou impotente, milha atual mulher está se divorciando de mim e meu filho eu mal vejo. Sei que ele tem 19 anos, sai sem falar com ninguém, faz coisas erradas, não obedece nem vai ao colégio. Também queria o que? Estamos proibidos de educar nossos filhos! Sandro está em depressão. O filho dele bateu na avó e roubou o apartamento para comprar heroína. Como deixamos tudo assim? Como pudemos ser tão castrados pra deixar tudo ficar assim? O que foi que eu fiz? O que foi que fizeram comigo?
Espero que quem encontrar este arquivo em meu computador, junto a meu corpo gordo e morto, atenda ao meu pedido e o envie para as principais emissoras. Quero que saibam o estrago que causaram na juventude brasileira.


Grato
Alex Gouveia
Gerente











*Essa é a repostagem de um texto meu do ano passado. Revisei-o e achei que faria bem em colocá-lo neste grupo de pequenas crônicas.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #5

16 anos, cabelo comprido, roupas pretas, um cigarro entre os lábios, uma garrafa de vinho vagabundo na mão esquerda, a mão direita dentro do bolso, 30g de maconha na mochila.
- É isso aí porra! Rock’n Roll caralho! – gritou erguendo a garrafa plástica do vinho.
Estava no show de uma banda underground de sua cidade. Ao seu redor uma multidão de criaturas iguais a ele se empurrando, se batendo, trocando beijos, unindo sexos, dividindo drogas. “Esse é o paraíso...” pensa.
- Rock’n Roll! – gritou mais uma vez.
Ele gosta dessa vida despreocupada e ainda assim aproveitada ao maximo. Não é um retardado que nem os playboyzinhos de sua escola, não era um viadinho que nem os emos e os happy rockers... raças desgraçadas. Sempre quis enchê-los de porrada até não sobrar nada além de uma papa vermelha.
A raiva desses seres inferiores aflorou em seus punhos e se confundiu com o álcool em seu sangue. Entrou para uma rodinha de bate-cabeça e se perdeu na noite.

***

Sangrando, suado, bêbado e drogado ele chegou às sete horas da manhã em casa e, para sua infelicidade, deu de cara com sua mãe.
- Sua praga! Onde você estava? Olhe como você está! Eu tava preocupada, porra! Você sabe que eu odeio quando você faz iss...
- Ah, cala boca sua puta velha! Isso é Rock’n Roll!
Ele entrou em casa. A mãe ficou boquiaberta encarando a rua já movimentada. Onde havia errado? Onde?
Enquanto ela conjecturava sobre como aquele bebê risonho tinha se transformado no vagabundo maconheiro que era hoje, ele tomava um banho e limpava o sangue de seus punhos e rosto.
Às sete e meia da manhã ele colocou a cabeça no travesseiro e ficou ainda por alguns momentos encarando o teto branco de seu quarto. Ele era tão superior aos viadinhos e playboyzinhos... porra de escola! Que se foda! Fodam-se as regras, isso é rock’n roll!
Embalado por esses pensamentos auto-afirmativos ele dormiu.

***

Uma coisa que é bastante irônica: enquanto ele se acha superior aos que freqüentam a escola e tem uma vida normal, estes mesmos nutrem pensamentos idênticos em relação a ele.
Incrível como os opostos são tão iguais...

domingo, 10 de julho de 2011

Crônicas de um Lugar Comum #4

- Glória nosso Senhor Jesus Cristo, aleluia!
- Aleluia!
- Sai desse corpo demônio! Volta pro inferno que é teu lugar! Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo, aleluia!
- Aleluia! Sai demônio!
- Em nome do Deus vivo eu te expulso desse corpo, coisa ruim! Sai desse corpo!
- Sai desse corpo, aleluia!
Por dez longos minutos a cena foi a mesma: uma jovem por volta dos vinte e cinco anos debatia-se violentamente contra o piso do altar enquanto o pastor gritava comandos de expulsão para o demônio que a havia possuído enquanto os fieis repetiam com o mesmo fervor as ultimas palavras de cada frase do pastor. No fim, com um ultimo espasmo violento, a jovem permaneceu desacordada. Satisfeito e banhado de suor o pastor levantou as mãos para o teto do templo e exaltou os poderes do Senhor.

***

No ônibus:
- Menina, o que foi aquilo?! O Coisa Ruim não queria deixar aquela moça! É o fim dos tempos mesmo! Que Nosso Senhor tenha pena das almas dos que não crêem Nele...
- É Angélica... as coisas tão difíceis mesmo... por falar nisso, você se lembra da Cláudia?

***

No bar:
- ... você precisava só ver a cara dos crentes, Dé, foi hilário. No fim eu saí de lá toda ralada, mas com mil reais a mais na conta. Sabe que valeu a pena? O difícil é não dar risada...
- Drica, Drica... olhe lá pra não fazer disso um hábito. Você sabe como o meio artístico vê quem se rende a isso.
- É, eu to ligada... mas, porra, eu tenho que pagar minhas contas, né?
- Você que sabe. Como eu disse: só não faça disso um hábito.

***

Na cobertura:
- Ô Carlão rapaz, aquela menina interpreta bem paca, né?
- Porra meu velho, nem me fale, achei que você não fosse dar conta do recado! Dez minutos é muito tempo!
- Qué isso rapaz, tá esquecendo que eu sou expert nisso?
Risos.
- Verdade, verdade. Vai um vinhozinho?
- Não, não. Me vê um scotch aí.
- Beleza!