quarta-feira, 30 de março de 2011

Um Relógio e um Anel.

A minha máscara não se mostra em meu rosto.
Meu rosto é de carne. É o mesmo com e sem a máscara.

Quando se fala na palavra "máscara" muitos pensam logo em falsidade, em algo ruim, nefasto, mas devo dizer que estão crônicamente errados.

Máscara é aquela coisa sem a qual nós não conseguiríamos viver em sociedade, pois não suportaríamos a exposição integral do nosso Eu-consciente. Para isso, toda vez que estamos na presença de outras pessoas ou em situações de observação encarnamos um personágem, que para os outros (e talvez até para você mesmo) mostre com sinceridade o que se passa em seu interior. Sua voz, seu olhar, suas falas, tudo isso faz parte de um script escrito por você mesmo, sem saber.

Isso não quer dizer que todos somos grandes mentirosos (muito embora o sejamos), mas apenas que todos temos um mínimo de amor próprio, que nos defendemos do mundo exterior e das outras criaturas hostís que nele habitam.

Quando disse que minha máscara não se encontrava em meu rosto alguns podem ter pensado "porra, lá vem mais uma metáfora", mas não. Digo isso literalmente.
Minha máscara é composta de dois elementos básicos: o relógio e o anel.
Sério, sem eles me sinto nu em locais públicos, vulnerável.

Junto com esses elementos vem todo um peso social: quem eu sou (ou pareço que sou), com quem falo, como falo, meu nome vem atrelado a eles, minha projeção está laçada nesses dois objetos.

Quem eu sou não sou eu.
Meu nome não me define.
Minha projeção não é real.

Nem a minha nem a de vocês. Sim, vocês também vestem, calçam, abotoam e carregam máscaras. Nunca perceberam?

Vocês não são o que acreditam que são.
Nenhum de nós é.

Parece loucura? Ora, por que não?
Num lugar onde as pessoas se castram mentalmente nada melhor que a insanidade para libertar as verdades e vontades encarceradas.

domingo, 27 de março de 2011

The Doors - People Are Strange

Pelo prazer e orgulho de ser estranho.

People are strange
When you're a stranger
Faces look ugly
When you're alone

Women seem wicked
When you're unwanted
Streets are uneven
When you're down

When you're strange
Faces come out of the rain
When you're strange
No one remembers your name
When you're strange
When you're strange
When you're strange

Tradução:


As pessoas são estranhas
Quando você é um estranho
Os rostos ficam feios
Quando você está só

As mulheres são malvadas
Quando não lhe querem
As ruas são irregulares
Quando você está triste

Quando você é um estranho
Rostos se formam na chuva
Quando você é um estranho
Ninguém lembra seu nome
Quando você é um estranho
Quando você é um estranho
Quando você é um estranho


Créditos: http://www.vagalume.com.br/the-doors/people-are-strange-traducao.html

quinta-feira, 24 de março de 2011

Crença, Credo, Creio. Fé, Faço, Falo.

Creio na veracidade do irreal
Na grossa voz do absurdo
Na pura intenção de um animal
Que, irracional, não atente ao apelo mudo

Creio no vazio das palavras
Na amplidão do pensamento
No desconcerto das almas
Que vivem a fragilidade do momento

Creio na vida ampliada
Vejo morte desejada
Por aqueles que não definem um final

Creio na mente cantada
Vejo surdez embalada
Pela voz dos mudos em instrumental.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Redenção (Reificação) *

"Peroai-me, mestre, pois fui infiel a ti!"
Assim pensava aquele louco prestes a se curar.

Ia lentamente se despindo da insanidade que, infelizmente, teve medo de vestir por completo.

Não era aquela vida que tinham almejado para ele. Não podia decepcionar os outros, o Mundo dependia dele e de suas ações. Deixar-se vestir pela loucura (que há tempos pedia para sair, mas que ele insistentemente mantia presa dentro da cela) seria se render a aquela vontade de abandonar os planos construídos encima dele.

Não. Não usaria aqueles óculos, não escutaria com seus ouvidos, não enxergaria com seus olhos nem sorriria com sua boca.

Não. Não conseguiu rasgar seus olhos sagrados.


Assim pensava aquele poeta em potencial, pronto para encerrar mais uma vez o seu destino nas grades da melancolia e mesmice:
"Perdoai-me, mestre, pois cogitei minha morte racional em detrimento de uma vida etérea!"

Traduzindo:
"Oh Grande Mundo, engula-me, faça de mim o seu servo, o seu objeto! Não sou uma mente livre, uma mente louca, sou são, perfeitamente são e estou aqui apenas para que possa me usar quando quiser. Me estupre, me use, me desgaste! Sou seu, não meu."



* Esse texto será melhor compreendido se lerem "É uma questão de qual óculos se usa..."

quarta-feira, 16 de março de 2011

É uma questão de qual óculos se usa...

... o de grau ou aquele outro, que sempre deixamos guardado na gaveta do esquecimento... dentro de uma caixa de medo chumboso, mas sem a existência do qual não podemos viver.

É uma questão de qual olho se escolhe.
Não adianta ter aquela vista perfeita, aquela pureza de linhas e relevos, se não houver aquele olho profano, aquele não se esolhe, mas que se é dado.

É uma questão de qual máscara se veste.
De nada adianta a mais colorida, a mais sorridente, a com aqueles grandes olhos azuis se, na verdade, a boca e os olhos ficam ao abrigo do sol, resguardados. A boa máscara é aquela feita de carne, renegada pelos homens éticos e de boa moral.

É uma questão de qual ouvido se tem.
"Oh, mas que grandes orelhas você tem!". Não são para ouvir melhor, são instrumentos máximos da surdez. Quem ouve é perigoso, quem e o que é perigoso deve ser evitado para o bem de todos.

Vê aquele lindo oceano bem em frente de nós?
Vê?
Não, não quero que veja, apenas. Quero que enxergue.
Não só que enxergue, mas que ouça seu som molhado e intenso.
Não só que ouça, mas que levante sua máscara de pele para o sol e olhe com seus olhos e sorria com sua boca.
Não só que se exponha, mas que peguem aqueles velhos óculos guardados há tanto tempo por vocês. Isso, isso... exponham também as suas lentes vermelhas ao sol.
Agora juntos arranquemos estes olhos sagrados e recebamos das mãos dos Deuses os olhos profanos, tão dígnos de nós.
Já notam uma diferença? Ah... mas vocês ainda não viram nada!
Lentamente elevemos esses velhos óculos aos nossos novos olhos.
Não temam! É sim algo assustador da primeira vez, mas o que não é? Só vocês podem terminar o que começaram.
E a medida que a luz passar pelas lentes e atingir seus olhos pensem: "estou livre!" mas saibam: ninguém é, de fato, livre. Todos vamos carregar para sempre esse bom fardo do Eu.

Como enxergam o oceano agora? Vermelho?
Não.

Enxergariam vermelho se tivessem se despido dos seus velhos olhos, ou se usassem os óculos de grau.

Vocês vêem mais.
Vocês agora vêem poesia.

Que olhos são esses?
São os olhos dos magos, dos bardos, dos profetas, dos amantes...

Que lentes são essas?
São as lentes da loucura, da paixão, da beleza, do oculto...

No final todos nós temos um pouco de Cristo e Satanás.

sábado, 12 de março de 2011

O Choro da Vida e a Alegria da Morte

"Morri.

Fazem poucas horas que um aneurisma cerebral me jogou para fora da vida pela saída de incêncio e digo que, sinceramente, a primeira grande revelação póstuma foi a que somos todos, quando vivos, um rebanho de egoístas sem igual.
Por que? Ora, por causa daquele chororô todo que segue um falecimento como uma maldição. Que direito tem os vivos de chorar a morte de outrem?
Nenhuma.
Digo com toda a claridade que minha condição de morto me permite afirmar: existe muito mais tristeza no nascimento que na morte.
Muitos de vocês desconsiderarão essas minhas alegações, e até entendo porque. Provavelmente se a situação fosse inversa eu também não acreditaria nem levaria a sério tais afirmações (é, eu era um cético de carteirinha). Me julguem louco, mas se lembrem que não posso mais sê-lo.
Enfim, querem saber por que lhes digo essa frase símples e que pouquíssimas pessoas (a grande maioria delas desequilibradas. Acreditam na coisa certa pelos motivos mais equivocados possíveis) compreendem?

O que é o nascimento? É o término do processo de construção dos mecanismos biológicos que possibilitarão o surgimento e a sobrevivência de um novo ser sobre a Terra, mas além disso, e muito mais importante, devo dizer, é o marco principal na vida de um indivíduo, o ponto onde se encerram todas as apostas e se parte pro jogo "na vera". É o inicio da escalada (e do posterior declínio) dessa nova pessoa.

O que é a morte? É justamente o ápice do declínio (paradoxal, hein?). É o fim de uma existência, que pode ter sido bem vivida, mal aproveitada, sufocada, estressada, corrida, rápida, etc.
A morte, quando do interrompimento brusco da escalada, é um susto, um memórial a tudo que poderia ter sido e não foi, mas a morte anunciada (característica do processo de declínio) nada mais é que o gradativo desligamento das funções vitais. Em ambos os casos o falecimento é o fim da brincadeira.

"Brincadeira"...

A vida não foi feita pra se brincar. Mesmo quando criança aquilo que caracterizamos por brincadeira é um treinamento, um estímulo para situações que mais tarde passaremos ou não. O pega-pega, os bonecos e suas aventuras mirabolantes, as brincadeiras "de luta", todas elas são mecanismos que treinam e vão adaptando as pessoas para ocasiões que podem vir metaforizadas no decorrer do processo de desenvolvimento. A vida, no sentido da peleja diária de todos vocês, é uma batalha interminável, um caminho deserto onde raramente surgem oásis fartos o suficiente para que matem a sede de alegria, de amor, de sexo, de companhia, exigências da existência como ser humano.
Onde estará a alegria no nascimento? O recém nascido não sabe, mas não importa o meio em que viva, o seu lugar social ou a nacionalidade, sua vida será árdua e raramente recompensadora (e isso vai ficando cada vez mais distante e difícil de ser alcançado), se não no meio físico no meio emocional/intelectual.

E é aí que está a graça da morte: a libertação. É tão bom estar livre do meio carnal, dessas celas de ossos e sangue que prendem e viciam!
A morte não é para ser chorada, não! Isso é uma atitude extremamente unilateral dos prisioneiros. A morte, sempre vista como uma travessia obscura e incerta pela civilização ocidental, é para ser festejada. Certos são os africanos.

A vida é triste, solitária e angustiante, mas sem ela não haveria o advento maravilhoso que é o morrer. Não o suicídio, outra prática egoísta e que repudio de corpo (?) e alma, mas o morrer naturalmente e mesmo o morrer infligido.

Vivam e deixem morrer."


Assim ele me disse.