quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cai mais uma maçã

Brigas e discussões. Falsidade, intrigas e traição. Sexo.
Tudo isso contribuiu para a cena que estamos prestes a presenciar, caro leitor. Eu, o narrador que tudo vê e tudo sabe, e você, com quem partilharei de minha onisciência.
De onde estamos observamos o ambiente: o terraço de uma antiga construção abandonada num dos bairros populares da cidade. Já é fim de tarde, umas cinco e vinte, mais ou menos. O sol ainda se faz presente nesta pequena porção do mundo, parece que também tem curiosidade de saber o que vai acontecer.
Lá embaixo os carros marcham lentamente rumo a suas garagens. Cada motorista pensa única e exclusivamente em sua vida, seus relacionamentos, seu trabalho, suas preocupações. Ninguem olha para cima. Ninguem liga pro carro ao lado. Egoístas? Sim, mas quem não é? Vai mentir pra mim dizendo que quando está voltando pra casa você se importa com algo mais, com alguem mais? Não.
Mas enfim, não te trouxe aqui para falar sobre isso, então vamos ao que interessa.
Ela dá mais um passo a frente e olha ao redor. Relaxe, ela não pode nos perceber.
Vemos seus olhos grandes e amendoados cuspirem mais uma lágrima.
Os pés descalços andam mais uma vez em direção à borda.
Sim, ela vai se matar. Não, não podemos fazer nada. E nem deveríamos, afinal ela optou por isso.
Sua roupa está suja. Seu rosto inchado. Suas mãos feridas de tanto esmurrar e estapear a parede. Em sumo: é uma idiota.
Oh, você discorda? Me mostre argumentos.
Se matar por amor é tão infantil.
Além do mais, isso não é amor, é uma ilusão que causou dependência afetiva.
“Não posso viver mais sem ele!”
Sim, ela falou isso, acredite.
Pega distância, corre e pula.
Cai.
Morre.
Virou tapete persa encima do capô de um carro.
Morreu mais uma Barbie. Outras cem virão.
Talvez você mesmo, leitor, seja algo muito semelhante.
Você consegue acreditar nesses ideais românticos? Você acredita que o amor supera tudo e que a vida sem amor é um fracasso?
Se sim, meus pêsames.
Se não... pelo menos você tem consciência da verdade.
Agora vamos andar um pouco, alguns quarteirões.
Vê aquela macieira no quintal daquela casa? Pois bem, chegue mais perto, sinta o cheiro das frutas.
Espere só mais um pouco.
Agora.
Viu como a maçã caiu da árvore?
Viu como o morador da casa colheu a maçã?
Viu como ele entrou em casa?
Viu como para ele nada mudou?
Agora me responda: somos realmente alguma coisa significante?

sábado, 15 de maio de 2010

Cacos

Acordara.
Mais um dia, mais uma vida, mais uma face, mais uma alma.
Sentia-se cansado, de uns tempos pra cá não consegue relaxar nem enquanto dorme. Elas são muitas, elas mechem com sua cabeça, tiram sua estabilidade, brincam com sua sanidade.
Tempos atrás elas não existiam. Tempos atrás apenas seu eu reinava em sua mente. Mas agora as coisas mudaram. Por que tinha que ser assim?
Não tem mais certeza de nada.
Abre os olhos, senta-se na cama, olha para as cortinas fechadas.
Olha para o ventilador de teto.
Olha para a porta. Levanta.
Agora não sabe mais se ele é especial, se ele é único. Por que?
Como foi que isso começou?
Olha para o espelho.
Como deixou que elas avançassem tão fundo dentro de suas convicções?
Sentia-se violado. Sentia-se esvaziado.
Nada que foi dito era verdade.
Ou era?
Baixa os olhos, fecha-os.
As incertezas acordaram e não iriam deixá-lo em paz até que sua mente fosse dormir.
Ou talvez nem assim.
Ele não acreditava na fraternidade entre seres humanos.
Ele não acreditava que pessoas poderiam ser boas de graça.
Ele acreditava no fim.
Agora não mais.
Agora sua cabeça o indagava por minuto sobre tudo o que pensava.
Agora se sentia fragilizado, indefeso, inconvicto, infiel.
Como tudo isso começara?
Lembra-se do sol.
Lembra-se dos risos.
Lembra-se da música.
Lembra-se de sentir quebrado com o fim.
Agora segue sustentando uma face oca. Face que começa a se desgastar, face que começa a mostrar os ossos, face que se esvairá em pouco tempo.
Odeia sentir-se assim.
Seu ego diz que é idiotice acreditar nas insinuações delas.
Elas dizem que é idiotice continuar sustentando a face podre.
Ele terá que escolher...
Ou não.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A Ave

“Não é justo!
Só pode ter sido um acidente!
Ela era uma menina tão alegre e prestativa! Amigos não lhe faltavam.
Por que, meu Deus, que isso foi acontecer com ela?
Ela nunca se suicidaria, com toda certeza foi um acidente, só pode ter sido!”

Assim pensam os pais, que julgavam conhecer sua filha, sua princesa.
Assim pensam os pais, que não aceitam o fato puro e simples.
Assim pensam os pais, transtornados com as acusações de suicídio de sua filha.
Eles não a conheciam. Tinham uma vaga desconfiança disso, mas o temor de que isso fosse verdade não os deixava chegar junto e olhar a alma de sua filha.
Eles sabem que ela se matou, mas resistem à verdade. Resistem à idéia de que tupo poderia ter sido evitado.
Eles se fazem de fortes, tentam ignorar as verdades ditas. Para eles a verdade é uma só. Para eles a venda começa a assumir o lugar das retinas.

* * *

“Não aguento mais!
Sempre estou aqui para todo mundo, mas não há ninguem que esteja aqui por mim!
Estou cansada.
Cansada de meus pais sempre acharem que está tudo bem.
Cansada de ter sempre que estar sorrindo, de ter que parecer absolutamente feliz, de ter que ser absolutamente feliz.
Quero ser livre.
Quero que essa máscara caia e quebre.
Quero voar como um pássaro.”

Ela pensava isso enquanto se preparava para a viagem.
Sentia-se um lixo. Sentia-se repugnante.
De suas amizades nenhuma era verdadeira. Não que eles fossem falsos, não, nada do tipo. Era ela o problema. Ela, que sempre tentava agradar todo mundo e que não conseguia gostar de ninguem.
Sentia-se sozinha e louca.
Queria voar.
Foi até a varanda do seu apartamento e vislumbrou a vista de sua cela aberta pela ultima vez.
Levantou vôo.