domingo, 28 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (O Relógio)

12:00.
O começo e o fim.
Dois opostos em um.
O Homem não se dá conta que sua vida está completa. Sempre quer mais. Sempre mais.
Inevitavelmente Ele se depara com o desejo de controle daqueles que conseguiram abstrair os valores da realidade. Inevitavelmente Ele corre por um dos três caminhos básicos. Inevitavelmente Ele morre na teia da aranha.
Mas as vezes o Homem pode entender a natureza falsa da realidade que o cerca, abrindo caminho para a quarta opção.
Ver o mundo como realmente é dói.
Como encarar o fato de que a humanidade corre para o poço, enquanto que a luz está do lado oposto?
Não se encara.
Se enlouquece.
Não adianta mostrar a direção para um cego, ele não a acertará de jeito algum.
Somos sombras nesse mundo vazio.
Vemos a luz. Podemos chegar à luz. Absorvemos tudo o que ela tem para nos mostrar.
Mas eles não, eles preferem a noite mascarada pelo sol cinza. Eles preferem a verdade de vidro.
00:00.
O fim e o começo.
Dois opostos em um.

[Conto] Pagão (parte XIV)

Ruas.

Rostos.

Vazios.

Onde está aquilo que ele procurou?
Onde está a vida que perseguiu?

Tudo o que sempre quis... não existe.
Nunca existiu.

Caiu na teia.
Caiu para a morte.
Não há como sair.

Corre.

Evitam-no.

Faces.

Esgares.

Não quer mais isso. Não consegue mais aguentar.

Pior que a solidão é estar sozinho numa multidão.

Uma multidão cega. Abstrata.

Domada.

Unida por um pensamento comum.
Unida por ser artificial.

Terremoto.
Paredes caem.
Prédios caem.
Casas caem.
Pessoas morrem.

Ele corre.

Se afasta.

Se despe.

Pôr do sol.

Olha. Vazio.

Relógio.

11:50.

Bússola.

Enterra-a.

Senta-se. Olha a bola de fogo cinzenta sumindo.

11:55.
Chora. Foi tudo em vão.

11:57.
Uma sombra. Na sua frente.
Olhos mortiços. Frios.
Sorriso selvagem.
- São os homens.
Ele olha para a escuridão.

11:58.
Estende-lhe a mão.
- Sonhos? Não os tenha. Deseje, apenas.

11:59.
Sente a noite tomar seu corpo.
- Sonhos se quebram, acabam, passam. Desejos permanecem, a luta persiste.

12:00.
Somem.

[Conto] Pagão (parte XIII)

Frustrado.

Havia lutado tanto, arriscado sua sanidade por isso?
Não.

Não consegue acreditar.

Atônito.

Olha para a parede da sua casa.
Vazia.

Lá fora as vozes. O zumbido.

Sente-se um animal enjaulado.

É um animal enjaulado.

Olham para ele de forma estranha. Com receio.

Quanto tempo isso tem durado?

Relógio.
06:00.

Bússola.
Norte.

Devia estar feliz.
Tinha que estar feliz.

Ele sempre quis isso.
Por que então?

Janela.

Olha.

Sombra.

Sombra?
Nunca mais as tinha visto. Não com as pessoas por perto.

Sorriso sarcástico.
Felicidade maligna.
Some.

Olha para cima.

-Deus...

Nada.

Levanta-se.

Sai.

[Conto] Pagão (parte XII)

Maravilhado.
Não pode acreditar no que seus olhos vêem.

Gente.
Gente!
Pessoas!
Vozes!
Rostos!

Chegara, enfim, em uma civilização no meio do vazio.
Tornara-se, enfim, parte do todo. Abandonara o nada.

Olhos nele.

Nu.

Sujo.

Ferido.

Cansado.

Faminto.

Julgam-no.
Deixam-o ficar.

Felicidade, afinal!

Sim, sim. Felicidade! Gente! Rostos!

Vestem-no.

Limpam-no.

Curam-no.

Lhe dão de comer e um lugar para morar.
Gente, enfim!

Sim. Ele está feliz.

Sim. Mais uma vez faz parte do todo.

Sim. O relógio começou a andar.

Sim. A bússola aponta para o norte.

00:01... ou 11:59?

sábado, 27 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte XI)

Era uma vez uma mosca.
Um dia ela caiu numa teia de aranha. Tinha certeza de que iria morrer, podia sentir o sopro da morte em suas asas.
A aranha sai de seu esconderijo. Oito patas, muitos olhos, mandíbulas famintas.
A mosca buscou algo para se salvar, em vão.
A aranha sentia-se vitoriosa. Movia-se o mais rápido que podia. Adorava moscas novas, especialmente as medrosas. Dava prazer em engoli-las. Dava prazer em sentir suas vidas indo embora.
A mosca via a sua predadora vindo para devorá-la enquanto tentava soltar-se. Desespero e esperança se misturavam enquanto ela encarava os muitos olhos da aranha. Olhos que diziam que sua vida tinha acabado, que já era tarde demais.
Ainda achava que poderia negociar com a aranha. Talvez se...
Mas já era tarde demais, a aranha arrancara a cabeça da mosca.

A esperança é a frustração essencial.

[Conto] Pagão (parte X)

Surdo.

O zumbido tomou sua audição.

Suas pernas fraquejam. Não come há dias.

Precisa chegar.
Precisa parar.

Treme.

Chora.

Não quer parar, quer chegar ao zumbido.
Precisa continuar.

Uma sombra passa por seu corpo frágil. Olhos mortiços. Orbitas escuras. Some.

Ele se levanta.

Músculos cansados. Não dorme há muito tempo.

Um passo.
Dois.
Três.

Cai.

Chora.

Grita.

O zumbido.

Desmaia.

Acorda.

O zumbido.

Não.
Silêncio.

Silêncio?
Não. Surdez.

Não.
Não?
Não!
Vozes.

Sim, sim. São vozes!

Levanta-se.
Não cai.

Anda em direção às vozes.

Finalmente achou alguem!
Esperança.

Vozes!
Aumenta a velocidade.
Mais.
Corre.

Vozes!
Um palhaço numa corda bamba.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte IX)

Para.

Já é tarde.

12:00.

Olha o caminho à frente.
Livre.
Quebrado.
Dolorido.

Seu pé está dormente devido à perda de sangue. Pedaços de asfalto formam uma palmilha ensanguentada.

O zumbido. Ele o está chamando.
Ele o atrai.

Segue.

O zumbido.
Já não apenas um som.

O zumbido.
Algo para seguir.

Uma sombra passa rente ao seu corpo, encarando-o.
Ele sente o frio.
Ele sente o vazio.
Some.

O que eram as sombras?
Não tinha como saber.
Talvez o zumbido soubesse.

Não sente mais suas pernas. Anda sem sentir.

Olha para a bússola. Nada. Morta como sempre.

Olha para o céu. Nada. Apenas um sol cinza.

Fecha os olhos.

O zumbido.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte VIII)

Dia.

Passou a noite transitando entre a vigília e o cochilo.

O zumbido.
O zumbido continua, sempre o mesmo som, sempre à mesma distancia.

Sai do carro.
12:00.
Bússola sempre morta.

Olha à sua frente.
Vazio.

Olha por onde veio.
Nada.

Sanidade rasgando. Precisa de alguem. Precisa de uma voz.

Mas ele tem o zumbido.

Segue em frente. Uma sombra acena da janela de um prédio. Some.
Não entende por que elas fazem isso. Nunca entendeu.

Seu corpo dói.

Está perdido.

Não.

É perdido.

Mas segue andando.

Asfalto quebrado rasgando pouco a pouco a sola dos seus pés.
Dor.
Sangue.
Mas continua.

Precisa achar um rosto.
Precisa de um olhar.

Fome.
Já se acostumou.
Já se conformou.

O zumbido.
Pelo ar. Pelo sol. Pelo céu. Pelo asfalto. Pelos prédios.

O zumbido.
Como queria que fossem vozes.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte VII)

Pôr do sol.

Será uma noite fria.

Ele anda por entre carros quebrados e sob o asfalto rachado da avenida.
Solitário.

Olha para o relógio.
12:00 horas.

Uma sombra sai de trás de um carro. Cabeça baixa. Negrume de alma. Some.

Sente frio, precisa de fogo. Precisa de pessoas.

Noite escura, estrelada. Negrume da vida.

Quer suas roupas de volta. Se arrepende de tê-las jogado fora.
Agora é tarde.

Escuridão.
Não enxerga quase nada. Negrume de corpo.

Continua andando. Vez ou outra sente a presença escura de alguma sombra, mas não se importa. As ignora.

Tenta olhar a bússola. Nada.

Tenta olhar o caminho. Nada.

Não vai mais pedir ajuda, não será ouvido.

De cima vem apenas o brilho das estrelas. Indiferença.

Esbarra em um carro grande, meio torto, mas útil para passar a noite.

Entra.

Dorme.

Acorda.

Noite.

12:00 horas.

Pesadelo?
Não.

Silêncio.
Silêncio?
Não.

Ele ouve algum barulho.
Algo que vem do escuro.

Parece um zumbido.

Zumbido baixo e irritante.
Zumbido longínquo.
Zumbido novo.

Ele ainda não pode sentir o cheiro da aranha.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte VI)

Continua andando.
Já não sabe quanto tempo se passou desde que saiu do apartamento vazio, só sabe que
seguiu sempre em frente.

O prédio lhe parece mais escuro a cada passo.

Sente que está ficando louco. Precisa de luz, precisa de comida.
Precisa de alguem.

Seus pés o arrastam por mais outro corredor de portas fechadas.

Sua mente sempre tentando se agarrar a qualquer indício de presença humana. Sem sucesso, ele está sozinho.

Não aguenta o silêncio, chora.

Olhos cheios de lágrimas, ele olha para a bússola.
Quebrada, apontando para o vazio.

Segue se arrastando, grito trancado na garganta, lágrimas cegando-lhe os olhos.

Levanta.

Para.

Corre.

Grita.

Escorrega.

Cai.

Olha.

Luz. Outra porta aberta.
Uma sombra está de pé olhando para ele. Sua superfície negra não reflete a luz, a absorve. Seus olhos mortiços não olham, vêem.

Ela entra no apartamento. Some.

Levanta-se e vai até a porta, dessa vez sem esperança.
Outra sala vazia.
Apenas um relógio de pulso no chão.

Relógio quebrado. Os ponteiros não se mechem, marca sempre 12:00.
Ele olha pela janela. Vê tudo (ou seria o nada?) que um dia lhe fora familiar.

Abaixa os olhos, chora.

Um barulho no corredor, uma porta se abre.
Anda, sem interesse, até o corredor. A porta do apartamento se fecha. A porta no fim do corredor se abre.

Luz.

Ele ainda não pode ver a teia.

[Conto] Pagão (parte V)

Eis que eu pergunto a vocês: e se houver uma quarta opção?

E se alguem quiser fugir das alternativas convencionais? Não ficar preso à três destinos pré-definidos?

O que essa pessoa faria?

O que essa pessoa seria?

O que essa pessoa sentiria?

Não há uma resposta objetiva.

Vivemos tão atrelados às opções que nos são dadas que não conseguimos nem imaginar o universo que existe fora das grades desses três caminhos. Não conseguimos nem imaginar qual seria essa quarta escolha...

Nos sentimos castrados psicologicamente, escravizados pelas morais, juízos e valores impostos que somos incapazes (na maioria dos casos) de perceber que nossa mente está aprisionada numa teia mental, tecida desde a antiguidade. Somos presas fáceis para a Aranha do senso comum, aquela que nos induz a assimilar apenas as três opções básicas, limitando nossa visão para qualquer outra manifestação de livre arbítrio.

Há, pois, maneiras de enxergar a Aranha. Às vezes ela se deixa muito a mostra e está ficando difícil para ela se esconder por trás da folha da inocência.

É, Dona Aranha, você comeu muitas moscas que cairam em sua rede e agora seu corpo cresceu mais do que você podia imaginar.

E você, leitor?

Quer ser mais uma mosca indefesa na teia?
Ou prefere encarar a Aranha nos olhos enquanto ainda há imaginação em sua cabeça (sim, pois ainda é possível expandir sua mente, mesmo com todos os limites impostos)?

[Conto] Pagão (parte IV)

Tudo escuro.

Está perdido dentro do prédio abandonado. Toda iluminação ficou do lado de fora, junto com o nada e o vazio que transbordam das ruas.

Não sabe se está perto de uma saída, não sabe se há pessoas ali dentro (provavelmente não, como no resto da cidade), mas continua seguindo em frente. Não há nada para que voltar.

Anda por mais um corredor de portas fechadas e vazias. Nada se move.
Começa a achar que deveria ter ficado na rua.
Começa a achar que deveria morrer.

Ele continua em frente por mais outro corredor vazio.
E mais outro.
E mais outro.

Não tem mais noção de nada, apenas segue em frente. Desnorteado, perdido, cego, surdo, mudo, calado, abandonado.
Mas não deve se esquecer de que foi ele quem abandonou.

Silêncio que explode em seu cérebro. Precisa urgentemente conversar.

Continua por mais um corredor e, para sua felicidade (ou não), vê que há uma porta aberta, levemente iluminada pelo clarão cinza do sol.

Seus batimentos aceleram, as pupilas contraem, o cérebro entra em curto.
- Alguem!
Corre, frenético, para o apartamento.

Decepção.

Não há ninguem, apenas uma janela aberta e uma mesinha de canto.

Imerso em raiva e angústia ele consegue perceber um pequeno objeto sob a superfície bem polida da mesinha.

Uma bússola.

Uma bússola quebrada. Ela não aponta para o norte, mas sim para o corpo dele.

Decide mantê-la. É algo para se apegar, pelo menos.

Sai do quarto e mergulha outra vez na escuridão do prédio, em busca de uma saida.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

[Conto] Pagão (parte III)

Ele acorda.

O sol cinza e frio que ilumina o mundo mostra o que sobrou da sua vida antiga, revela as cinzas de sua cidade.

Precisa de comida, precisa de água, precisa de alguem.

Suas roupas já gastas ainda guardam as memórias que lhe assombram. Despe-se.

Totalmente nu ele se levanta, tentando ver em que ponto da avenida ele tinha parado.

Ao longe uma sombra lhe acena e some. Todos somem.

O caminhão tombado continua lá, terá que se desviar da sua rota.

Mas... qual era a sua rota? Para onde estava indo? Não se lembra, não sabe.

Sente-se perdido, sozinho, faminto.

Deus não o ajuda, tapou os ouvidos para sua voz.

Uma sombra sai de um prédio à sua esquerda, lhe sorri com voracidade e some.

Ele anda para o prédio abandonado, ainda tem esperanças de encontrar alguem.

Ele ainda não pode ouvir o choro da humanidade.

[Conto] Pagão (parte II)

Tecnologia, consumo, dinheiro, lucro, bônus, ônus, pobreza, doença, loucura. Ah, vida moderna!

Quantos não perecem no percurso desse vôo letal que é a vida? Quantos não suportam o peso da sociedade nas costas?

Um homem hoje em dia tem três escolhas básicas: 1) Trabalhar e construir um império, perdendo sua vida; 2) Alienar-se com um populismo anti-capitalista e vazio, perdendo sua vida; ou 3) Libertar-se de pensamentos pré-fabricados, usar o cérebro e notar o mundo ao redor, perdendo todo o conforto mental oferecido pelas fábricas mentais. Qual a escolha certa? Qual a falsa amiga do ser humano?

O mundo é feito de muito mais coisas do que parece. Não falo de fatos sobrenaturais, anjos, demônios, deuses ou qualquer coisa desse tipo, mas sim de redes e tramas que moldam o rumo da sociedade mundial.

O que tocamos pode não ser tão palpável, o que pensamos pode não ser tão secreto, o que decidimos pode não ser escolha nossa.

[Conto] Pagão (parte I)

2:30.
Ele anda descalço pela avenida morta. Canta uma de suas músicas, sucessos alguns dias atrás, quando seu mundo ainda estava no lugar. Em seu bolso o canivete chacoalha de um lado para o outro.

2:35.
Ele vê uma sombra em pé olhando uma vitrine quebrada. Não mais toma susto com essas trivialidades, tem coisas mais importantes para se preocupar.

2:45.
A avenida acaba, um enorme caminhão tombado. Uma sombra passa vagarosa em sua frente, abre um sorriso escuro e some. Seus pés doem, precisa descansar. Sua mente grita, precisa conversar.

2:46.
Ele se senta no asfalto partido e chora.

2:47.
Ouve um murmurar baixo ao seu lado. Apenas mais uma sombra. Ele olha para o céu estrelado, incrivelmente bonito e desespera.
- Oh Deus, me ajude! Eu te imploro!
Mas apenas o silêncio voltou como resposta.

2:50.
Ele adormece.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Bagagem Mental

Todas as coisas boas passam rápido e deixam marcas inesquecíveis.
Muitos dizem: "Ah, como eu queria que o tempo voltasse, ou que tivesse durado mais..."
Eu digo: ainda bem que nenhuma dessas duas coisas acontece.
Voltar no tempo, além de ser impossível no presente estado da ciência, seria algo que poderia acabar com os bons momentos. Como assim? Símples, já saberiamos tudo o que iria acontecer, já saberíamos coisas das pessoas que da primeira vez não sabíamos e isso podia fazer com que tentássemos mudar alguma coisa que achamos não tão legal ou inútil, mas isso alteraria o rumo dos eventos, tornando o futuro mais uma vez incerto, provavelmente para pior.
Pedir para durar mais seria tornar o exótico [justamente o que destaca os bons momentos] em algo comum, rotineiro, consequentemente chato.
É verdade que bons momentos deixam saudades, mas é melhor que seja assim.

O Preço do Pato

O mundo dá voltas... Muitas e muitas voltas...
Quem diria que uma nação que estava à frente de todas as outras estaria, agora, a mercê das intempéries naturais?
Quem diria que o maior centro urbano e industrial do país ficaria debaixo d'água por mais de um mês?
É, meus amigos, cuidado com o que fazem, tudo tem um preço...

Nothing's free